domingo, 21 de junho de 2015

Capítulo 10 - Falta de Sorte


Em uma noite pacata e fria na cidade de Bleak Hill, um jovem vestindo de casaco com capuz e usando uma mochila caminha pelas ruas, observando o fluxo de pessoas que se dirige para a missa. A grande maioria de carro, embora uma ou outra de bicicleta ou mesmo a pé.

Sabia que nessa cidadezinha o povo adorava uma igreja, pensa o garoto, caipiras tem mais medo de demônio que de gente.

A maioria das casas é grande e com quintais ainda maiores, e após rodar por mais de meia-hora ele chega diante da casa que queria: “Winnicott”, é o sobrenome na caixa do correio, e o carro que viu saindo o faz imaginar que a casa está vazia. Depois de se assegurar de ninguém estar olhando, o jovem pula a cerca de madeira, se esgueirando pelo quintal do casarão de dois andares.

Tão fácil que dá sono, pensa, Andy Valentine.


Nenhum barulho, se há algum cachorro não apareceu ainda. Portas e janelas trancadas (como ele já imaginava), não seria difícil destrancar, mas invadir a janela de cima já aberta é mais seguro. Um, dois, em três movimentos o garoto chega na janela, rápido e furtivo, um ladrão profissional. Lá dentro, um quarto típico de garota: cama bagunçada, criado-mudo, guarda roupas de seis portas, bichos de pelúcia e mesinha com computador. O único diferencial fica por conta de uma pilha de livros de Psicologia e uma gata peluda, dormindo em cima da cama.

Abrindo o guarda roupas: perfumes, maquiagem, fotos, cds, dvds e... roupas. Já sem esperanças ele abre a última porta do móvel, lá dentro reluz um crucifixo muito bonito, que ele sabe que renderia um bom dinheiro. Mas Andy não deseja roubar objetos, algo valioso assim chamaria atenção desnecessária, prefere dinheiro vivo. Ao fechar o guarda roupas, encontra uma gata toda arrepiada olhando e silvando para ele.

— Eu não gosto de você, você não gosta de mim, cada um fica na sua, valeu? — ele fala, olhos semicerrados ao encarar a criatura.

Quando pensa em tentar a sorte em outro cômodo, som de passos vindos de fora do quarto o fazem mudar de ideia. Em cinco segundos a porta do quarto é aberta, ao mesmo tempo em que o garoto se esconde embaixo da cama.

domingo, 14 de junho de 2015

Capítulo 9 - Lobo Solitário


A primeira sensação é o cheiro.

Cheiro de medo, de alguma forma ele sabe.

Em seguida, a visão. Homens correndo e tropeçando uns nos outros, fitando-o com olhos arregalados e horror estampado na face!

Vocês tão correndo, de mim?

Depois, vem o gosto. Gosto de sangue, de homens vivos e mortos. Ele olha para um homem se arrastando, as costas dilaceradas e um braço arrancado, de onde flui sangue abundante.

Fui eu? Eu fiz isso?

Então vem o som. Som de tiros e gritos, uma mistura de raiva e desespero traduzida em disparos e urros. Seus ouvidos vibram ao som alto.

Parem, esse barulho tá me deixando zonzo!

A dor é a sensação seguinte. As balas atingindo seu corpo e o sangue espirrando por todo lado. Ele cai, grunhindo de dor em um chão banhado em sangue. Seu sangue.

Vocês querem me machucar? Me matar?

E por fim: a raiva. Uma fúria crescendo dentro dele, um fogo capaz de consumir a tudo e a todos, incluindo ele mesmo. Um ódio capaz de tirar a sanidade e qualquer resquício moral, deixando apenas a selvageria brutal.

Desgraçados...desgraçados...desgraçados...

Não há mais lugar para o pensamento, apenas instinto. Ele é um predador, e nada mais que isso.

Agora vocês são minhas presas. Agora vocês tão mortos.

sábado, 6 de junho de 2015

Capítulo 8 - Fragmentos e Consequências


Castelo Tepes, trezentos anos atrás.

Uma noite fria e de densas nuvens paira sobre a fortaleza. Do alto da sacada de seu quarto, o casal olha para o céu, como se dele esperasse respostas.

— Uma tempestade está para cair sobre esse lugar. — diz Marie Winnicott, para o jovem ao seu lado — Você teme por nós?

— Crê que o herdeiro do Drácula teria algo para temer, que não fosse perdê-la? — diz ele, segurando em suas mãos delicadas.

Ela beija as mãos do amado com ternura, apoiando-se então no peito dele, como quem busca segurança e paz, diante do caos iminente. Ele a abraça forte em resposta, seus olhos refletindo amargura.

— Viemos tão longe, adquirimos esse castelo no lugar mais isolado que pudemos encontrar, com poucos empregados, poucos conhecidos, tudo para manter os malditos longe de nós! Tudo para preservar um pouco de paz!

— Infelizmente, meu amor, desde que seu pai fez o que fez, a Ordem do Dragão se aperfeiçoou em encontrar e eliminar ameaças. Ficaram realmente muito bons em queimar seus monstros e bruxas, em nome de Deus.

O vampiro se afasta dela, apoiando-se na grade da sacada, o peso do mundo nos ombros.

— Eu sabia que era apenas questão de tempo até nos encontrarem, só pensei que teríamos mais tempo: quem sabe dez ou quinze anos de paz antes que seu fogo queimasse nosso paraíso.

Ela o abraça por trás, ciente que ele não quer que suas lágrimas rubras sejam vistas.

— Meu senhor, meu amado, o Gênesis já nos ensina que o paraíso não foi feito para durar. Adam, você que tem o nome do primeiro dos homens, mais do que ninguém deveria saber disso.

Ao longe, tornam-se visíveis as dezenas de tochas brilhando na escuridão, marchando lenta e inexoravelmente rumo a fortaleza.

— Eles vem para consumir no fogo nosso paraíso. — diz o vampiro, com íris vermelha e presas de fora — Pois eu lhes mostrarei o inferno.