sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Capítulo 17 - O Filho do Drácula


Cidade de Tirgoviste, Valáquia, 1476.

Um imponente e imenso castelo se destaca em meio as centenas de hastes de madeira que cercam a propriedade. Na maior parte delas, pessoas empaladas: homens, mulheres, idosos, crianças... Aproximadamente cem vítimas cobrem a área, e ao menos trinta delas não devem ter mais que um mês ali. Dessas, dez não devem ter mais que um dia, devido à vontade com que os corvos se alimentam de seus corpos. Também chama a atenção o número igual de hastes vazias. Como um aviso. Como uma ameaça.

É este o cenário que Adam encontra ao se aproximar do castelo de Vlad III, O Drácula. Parado em seu cavalo em frente ao portão do castelo, aguarda a permissão para entrar no lugar. Após meia hora de espera, o guarda retorna com a permissão para que Adam entre no local em que por direito deveria viver, no castelo do seu pai. “Pai”, essa é uma palavra estranha e difícil para o rapaz, após tantos anos isolado em uma terra distante, é difícil pensar no monarca dessa forma. Adam está vestindo uma casaca marrom sobre roupas de tonalidade verde, com botas resistentes e espada na cintura. Olha com admiração mal disfarçada o enorme castelo em que o pai vive, as colunas altas e cuidadosamente esculpidas, os largos corredores por onde poderia passar um grupo de homens lado a lado, os quadros e estátuas fazendo referência aos antepassados de seu governante. Como imaginava, nenhuma referência ao casamento com sua mãe ou ao fruto dele: ele próprio.

Seguindo o protocolo, o jovem entrega a espada ao chefe da guarda, antes de adentrar no salão do trono. Lugar esse magnífico, com exóticas obras de arte de terras longínquas, esculturas, armas e pinturas que dividem além da beleza, um único tema: o horror. Monstros, demônios, criaturas das trevas, sangue e morte. O salão possui uma fraca iluminação por castiçais de velas, iluminando apenas a parte mais próxima da entrada e dos seis guardas que se espalham por ela, o que dá um aspecto tenebroso a todo o ambiente. As obras de arte se espalham por todo o vasto salão, dividido por colunas e cortinas escuras, assim como por uma escada de pedra que leva a um trono de metal, com símbolos dracônicos e pedras preciosas.

Do alto das escadas, no centro de tudo e sentado em seu trono, está o homem mais poderoso e temido, não só da Valáquia, como de grande parte da Europa. Mais alto que a média, de ombros largos e porte atlético, veste roupas negras feitas exclusivamente para ele, com detalhes em ouro e pedras preciosas nos botões, anéis e cordões que usa. Grossos bigodes formam um quase cavanhaque, longos cabelos, negros como os bigodes, soltos sobre parte do rosto. Um homem imponente, para dizer o mínimo. Em seu colo, uma jovem e bela mulher, nua como veio ao mundo, emite sons de prazer enquanto tem seu pescoço beijado pelo príncipe.

O jovem permanece parado, frente ao homem que dizem ser seu pai. Encara firmemente o vulto do senhor daquelas terras por cerca de cinco minutos após ser anunciado, tempo que pareceu uma eternidade. Mesmo após encerrar sua demonstração de lascívia, deixando uma mulher exausta caída ao lado do trono, não é possível discernir maiores detalhes da face daquele que reina solitário na semiescuridão. Quase como uma escultura de si mesmo, ele não dá qualquer sinal de vida, mesmo após Adam parar em frente aos degraus que levam ao trono. Seus olhos aos poucos se acostumando a escuridão, enxergando as duras feições do monarca.

— Vai me ignorar, majestade? — pergunta ele, num misto de impaciência e raiva.


Após um momento de silêncio, a voz imponente do Empalador se faz ouvir:

— ... estava observando você. — diz ele, com serenidade. — É realmente filho dela, os traços não mentem.

— Sim, filho dela! Pois seu sei que não sou, já que fui jogado para o lugar mais distante que pôde imaginar! — Enquanto diz isso, o jovem retira dos bolsos um cordão com o símbolo da família, e então prossegue.

— Me responda, majestade: se era para me tratar como um bastardo e me exilar após a morte da minha mãe, por que me deixou com isso? Por que não mudou meu sobrenome pelo de algum nobre menor ou mesmo plebeu?

Ele caminha lentamente, subindo os primeiros degraus da escada.

— Sabe... eu confiei no senhor, acreditei que me traria de volta para o castelo, mesmo após anos na Inglaterra. Acreditei que vossa alteza só precisava de algum tempo sozinho, para seguir em frente após a morte dela. Que precisava me manter a salvo. Que conforme eu crescesse um pouco mais, mandaria uma comitiva para me buscar daquele lugar, me tornaria escudeiro de algum cavaleiro de renome e me apresentaria ao mundo como seu filho. — Ele aperta firme o cordão, as mãos tremendo de raiva. — Só que os anos foram passando, um após o outro, e aos poucos fui acordando. Dez anos sem sequer uma carta! Sem uma visita, sem qualquer sinal de que ainda se lembrava de mim, e então...

O homem permanece impassível no trono, sua postura apenas enche o coração de Adam de frustração e revolta.

— Então chega seu maldito emissário exigindo que eu me apresente! Exigindo! O senhor renegou a mim, ao filho da mulher que o amou como nenhuma dessas meretrizes poderia amar! Pois bem, agora sou eu que renego ao senhor e a esse sobrenome! — Lança o cordão aos pés do pai, enquanto uma lágrima molha seu rosto. — ... não se preocupe, jamais nos veremos novamente. Está livre para nomear o herdeiro que quiser, Vlad Tepes III.

Adam dá as costas ao trono e vai em direção a saída. Recebe a espada de volta e a ajusta à cintura, enxuga as lágrimas e se prepara para abandonar novamente seu antigo lar, mas dessa vez para sempre.

— Suas palavras carregam orgulho. — Diz a voz vinda do trono. — É mesmo minha semente, o “Filho do Dragão”.

Adam para diante da entrada do salão, então se vira para a direção do trono, no alto da escadaria... e dá de cara com o pai a um metro de si! Instintivamente o jovem recua e leva a mão à espada, seu coração lutando contra um medo irracional que toma conta dele, como se fosse uma presa diante do predador. Enquanto busca recuperar a tranquilidade, olha o pai nos olhos. Olhos vermelhos como sangue, uma face pétrea em um homem grande e imponente, o olhar de um guerreiro, de um conquistador...de um assassino.

— “Filho do Dragão”? — ele pergunta, ironia forçada e braços abertos. — Após assistir ao espetáculo de horrores lá fora, não sei se quero ter seu sangue em minhas veias, alteza.

Com um olhar que parece examinar as profundezas do coração de Adam, ele o encara. Estende a mão em que segura o cordão jogado pelo rapaz e então diz, quase sem mover os lábios:

— Mortos. Rebeldes, inimigos, traidores, criminosos... há de todos os tipos lá. A estaca não poupa a ninguém. — Fala o senhor do castelo ao jovem que chama de filho, com um brilho mórbido no olhar. — Tudo o que vive morre, não há motivos para lamentações.

— Parece tudo muito simples. Foi assim que resumiu a morte da minha mãe? A noite em que a Ordem do Dragão a queimou na fogueira? — Pergunta Adam, esquecendo o medo e lembrando apenas da raiva e dor.

O homem demonstra um sinal de emoção genuína por um breve momento, o primeiro que Adam testemunha. Um sinal de humanidade, enfim.

— Sua mãe ... — ele silencia, punhos cerrados. — Um dia entenderá o que tive que fazer com você. No dia em que herdar o que possuo. — Estende então o cordão de volta ao filho.

No salão escuro, apenas os poucos guardas testemunham a conversa entre os dois. Apenas eles cientes que Vlad Tepes tem um filho de vinte anos e que este está ali agora. Adam ignora o gesto e dá as costas ao sinistro monarca e pai ausente.

— Creio que ouviu minhas palavras, e não sou homem de voltar atrás no que digo. Adeus alteza, adeus pai.

Após apenas alguns passos, Adam sente uma dor terrível em seu ombro esquerdo. Um golpe rápido que perfura a pele e encharca sua roupa de sangue quente. O medo retorna, a sensação de que algo está muito errado com aquele lugar, com aquele homem.

— Muito se pode saber sobre um homem através dos olhos, das palavras e dos atos, mas todos esses podem enganar. — Diz Vlad Tepes, dedos erguidos, dos quais escorre o sangue do filho. — Mas o sangue... ele não mente.

Dito isso, ele prova o sangue! Olhos fechados, enquanto o jovem de olhos arregalados e ombro ferido se vira em sua direção. Percebendo só agora a poça de sangue que escorre do cadáver da mulher que a pouco estivera nos braços do seu pai.

— Sinto honra, orgulho, espírito! — ele diz, após provar do sangue, com presas a mostra. — Mas também sinto o quanto é fraco. O quanto herdou da fragilidade de sua mãe. Ainda não foi endurecido pelo mundo.

Adam contempla aquele homem sinistro à sua frente, roupas negras e olhos vermelhos, capaz de se mover como uma sombra e perfurar seu ombro com mãos nuas e sem esforço. O homem que tem espalhado o terror pela Europa, aquele que muitos chamam de Drácula.

— O que é você!? — Adam pergunta, desembainhando a espada e apontando nervosamente para o homem. — As lendas são verdadeiras, você é um monstro?

Nesse momento o jovem esperava estar cercado por guardas de armas em punho e ameaçando matá-lo, mas estranhamente eles permanecem em seus lugares, sem qualquer sinal de preocupação por seu senhor desarmado.

— ... “monstro”? — Vlad sussurra, com as presas a mostra.

Adam se afasta por reflexo, só então se dando conta da presença do homem já atrás de si. O jovem faz um círculo com a espada para manter o príncipe afastado, algo que para o seu horror se mostrou inútil, pois o homem conseguiu passar de alguma forma por seu movimento, e ele sequer o viu se mover! Um piscar de olhos e sente o monstro atrás de si novamente.

— “Monstro”? — repete o Drácula.

Adam se sente como uma criança balançando um galho seco contra um cavaleiro da guarda real. Direita, esquerda, passos que resultam de anos de treinamento em esgrima mas que de nada adiantam contra um ser que mal parece se mover, mas que como um fantasma, está sempre à frente de seus movimentos. O rapaz dá tudo de si apenas para se afastar, desviando das colunas, estátuas e do vulto sinistro, suor de esforço e de medo misturados, o corpo começando a perder velocidade.

— “Monstro”!? — repete o homem, parando, e então começando uma risada assustadora.

Nesse momento o jovem atravessa as cortinas que escondiam o que estava atrás da escada do trono. Ali ele encontra os corpos de outras nove mulheres, nuas e ensanguentadas, como a anterior. Algumas com olhos arregalados, expressões que variam entre o medo e o êxtase. Adam aperta o cabo da espada com força, raiva, medo e frustração misturados. Com o som da risada preenchendo todo o salão, ele sente novamente o pai atrás de si, e decide parar de fugir. Em um movimento rápido, faz um corte profundo no peito do príncipe, depois encravando a lâmina com toda força no ombro do Empalador. Sangue voa no rosto e nas roupas do jovem Tepes, pela primeira vez deixando o papel de presa em fuga para o de um animal com garras.

— Sim, um monstro. — Drácula diz, suavemente, encarando um jovem surpreso e novamente assustado. — Um demônio... um deus!

Tudo se ressume a um borrão quando Adam é lançado contra o teto, cinco metros acima, em um movimento que ele apenas deduz ter sido feito. A dor do impacto faz seus ossos tremerem, sangue sai da boca e escorre da nuca, o horror de testemunhar o impossível e de saber que a queda irá condená-lo a morte. Porém, em um piscar de olhos, uma mão segura seu rosto com força. Seu corpo em posição de queda foi parado em pleno ar por um ser que levita à altura do teto, ignorando a lâmina encravada em seu ombro, olhos rubros brilhando e presas a mostra em um sorriso terrível! O monstro então sorri para o filho, enquanto diz:

— Você será meu herdeiro, Adam Tepes.

O jovem segura no cabo da espada enquanto tenta manter a sanidade e juntar forças para falar.

— Não quero... seu ouro... monstro... demônio! — Encravando a lâmina mais fundo no monstro.

Drácula começa a descer lentamente, então larga o jovem e corajoso rapaz que gira o corpo em pleno ar para cair de pé, torcendo o mesmo no processo. Um grito de dor, e o jovem está de joelhos e encharcado no próprio sangue.

— Minha herança não é feita de ouro. — Diz Vlad Tepes, enquanto chega ao chão. — Minha herança, é feita de sangue. — Então arranca a espada do próprio corpo e a joga em direção ao garoto.

Adam luta para apenas se manter consciente, a dor do ombro, da nuca e da perna o convidando ao sono, a terrível realidade que se apresenta diante dele o convidando a loucura. O jovem de vinte anos recém completos sente o horror da morte se aproximando, os passos do demônio que dizem ser seu pai cada vez mais próximos, a impotência de um coelho acuado diante de um lobo.

— Adam... meu filho, meu herdeiro. — Diz o vampiro, diante de um jovem desesperado que se arrasta até a espada caída. — Você receberá a imortalidade. Minha maior riqueza...e minha maldição.

Adam junta as forças que lhe restam e se apoia na espada com ambas as mãos. Olhando firmemente nos olhos do pai, ciente das consequências do que fará, responde sem pensar duas vezes:

— Eu rejeito, rejeito você... e essa maldição! — Ele grita, se jogando em uma investida que perfura o tronco do pai.

Surpreso, ele observa a lâmina trespassar o ventre do monstro, o sangue espirrando em sua mão, ciente que o homem poderia facilmente escapar de um ataque lento como esse. Segurando-se na espada presa ao corpo do Empalador, ele encara o pai. No rosto do monstro, um sorriso grande e maligno.

Adam cai, totalmente confuso e derrotado, de joelhos e desarmado, sem esperanças ou certezas sobre o mundo...ou sobre o que o aguarda.

— O que... o que quer de mim, pai? — Adam pergunta, lágrimas nos olhos e sangue na boca. — Seja o que for...eu prefiro a morte.

O homem se inclina em direção ao filho, o abraçando pela primeira vez em dez anos, e então responde:

— Mas é exatamente isso que quero, meu filho... Quero que morra. — Presas expostas, em seguida encravando no pescoço do filho. — E então, renasça!


[...]

Castelo Tepes, 20h00.

E renasça. Essa é a frase que ecoa na mente do vampiro, mais de quinhentos anos após ter sido transformado. Submerso numa piscina recém construída em formato de lago, ele se entrega ao fluir da água, as vezes por horas a fio. Uma das vantagens de estar morto, percebe. A água o acalma, o faz esquecer do passado, das perdas e dos fantasmas que o atormentam. Esquecer da sede, das muitas vidas que tirou para saciá-la. Esquecer da morte da mãe, da morte da Marie, e claro... Esquecer-se da Claire.

Quando finalmente sai da água, encontra uma toalha e roupas limpas, obra do Lincoln, como de costume. Lincoln, o homem que dedicou a vida a aguardar por uma lenda, e agora se dedica a ela com devoção e cuidado, mesmo quando seu mestre se mostra perdido e sem motivação para nada além de passar horas olhando para quadros antigos ou as luzes da cidade. Passaram-se trinta dias, desde que viu a Claire pela última vez. Quando se entregaram a um momento de paixão, para logo em seguida vê-lo ser destruído por conta das provocações da Jeanne.

Jeanne, você que me testou até o limite, acabou pagando caro por sua língua, ele pensa. Lamento por ter agido como um monstro, agido como aquele que me criou. Me pergunto o que o Paul reservou à você, à quem você irritou ainda mais que a mim.


[...]


Casa do professor Davis, 21h00.

No porão da casa, uma vampira se encontra presa por correntes de prata, ligando seu pescoço, braços e pernas a parede. Ela está completamente nua, exibindo ferimentos variados em várias partes do corpo, e visivelmente abatida, deitada em um chão empoeirado. Abre os olhos com dificuldade, acordada pelo som de passos descendo as escadas.

— Adivinha o que o papai trouxe para você? — Paul assobia, como se chamasse um cão. — Aposto que essa meninona está morrendo de fome, não está?

Jeanne procura manter o que lhe sobrou de dignidade, fingindo desinteresse ao ver a gaiola exibindo uma dúzia de hamisters barulhentos.

— Esses são bem gordinhos, dá para você sugar bastante. — O professor diz, enquanto pega um deles pelo rabo e balança diante da face da vampira. — Prometo te dar três de uma vez, se colocar as patinhas para frente e latir como uma boa menina.

O sorriso sádico dele parece beber do ódio nos olhos dela. Jeanne se arrasta até o canto da parede, no limite da distância dele, e abraça o corpo para tapar o que pode.

— Vamos, você sabe que não adianta fazer greve de fome, no máximo vai te deixar descontrolada como da última vez, e não queremos que aquilo se repita não é?

Ele joga o rato, ao que ela pega por puro reflexo. Quando se dá conta, já está sugando o último resquício de sangue da criatura, totalmente dominada pela sede. Então é tomada pela vergonha e a raiva.

— Você sabe... — ela sussurra, com a voz fraca. — ...sabe que é só questão de tempo, até descobrirem onde eu estou. Você vai ter que me matar querido, pois eu não direi mais nada.

Ela sorri em desafio, buscando forças na determinação de não trair os vampiros com quem se importa. Ele apoia a gaiola sobre a mesa, enquanto saboreia um bife mal passado e bebe uma taça do vinho que o Tepes deixou em sua casa, na primeira visita que fez.

— Sabe, coisas boas devem ser apreciadas lentamente. — Ele interrompe para beber o vinho, enquanto olha para ela. — Como esse vinho aqui, que o bom filho do Drácula deixou de presente para mim. Ou você, que deu bem mais trabalho para pegar, mas que eu prometo saborear leeentamente.

— Você não vai tirar mais nada de mim, nada! — Ela grita, mais determinada, provavelmente por causa do sangue.

— Talvez você não fale mais do que me falou, já me conformei com essa ideia, após as sessões em que brincamos com os cordões de prata, as espadas ou o sol não tirarem mais nada de você. Mas... nem tudo se aprende com palavras. — Ele então vira a tela do monitor, exibindo um arquivo cheio de tabelas e anotações. — Dá pra descobrir bastante coisa através de experiência empírica, da boa e velha tentativa e erro. Por exemplo, descobri que a prata não só queima você, mas após algum tempo em contato direto com ela, a deixa fraca. Descobri que o sangue de animais mortos é inútil para alimentá-la, o tempo médio que leva para você se regenerar de ferimentos e que após um certo grau de fome ou castigo físico, você entra em um estado de fúria animalesca, saindo fora de si. Enfim...

Ela escuta a tudo sem olhar para ele, lutando para manter as lágrimas de raiva contidas.

— Não acredito que o velho policial concorde com isso, ele não parecia ser como você. O que vai fazer quando ele descobrir sobre isso tudo?

— Ah sim, o bom Roger. Ele acredita firmemente que você está totalmente morta, eu cuidei disso após você resistir e não dizer mais nada de útil ao fim da primeira semana. — Ele diz isso com um largo sorriso — Ele acredita ter me visto dar um fim à você, então não terei problemas com ele. E mais do que isso, graças ao seu surto de fúria, ele testemunhou ao vivo o que vocês realmente são. Agora ele está disposto a lutar ao meu lado para dar um fim à sua espécie.

— ...e o Tepes? — ela pergunta, sem acreditar que ele concordaria com aquilo. — Ele me machucou, mas não me torturaria.

— Verdade. Por isso disse a ele que te deixei para queimar ao sol assim que te tirei da prisão. Acho que ele não acreditou muito....mas não bateu na minha porta, pelo menos.

Ele fica mais animado ao notar o cansaço que pareceu se apoderar dela após ouvir isso.

— Não se preocupe, minha querida. Você será meu animalzinho por muito, muito tempo. Tenho muitas perguntas, sobre sua fisiologia e psicologia, e você vai me responder todas elas. De uma forma ou de outra.


[...]


Casa dos Duncan, 22h00.

Sentado à mesa para o jantar, se encontram: Jimmy, Mandy, Andy (agora parte da casa) e Emma (que passa um tempo hospedada com eles, devido a perna quebrada). O jantar é macarrão com queijo, feijão doce e bacon, com uma garrafa de Coca-Cola para completar a refeição preparada pela jovem mecânica.

Ela dá a primeira garfada na comida, enquanto Emma assiste aos rapazes se empurrando para pegar a maior parte da comida que restou, após as meninas se servirem. Pratos cheios e roupas fedidas perfumando a cozinha.

— Vocês deveriam tomar um banho primeiro. Sério. — Diz a Mandy, enquanto sai da mesa carregando o prato e o copo em direção a sala e tv.

Os dois se encaram enquanto sentam um distante do outro, e logo começam a comer apressadamente. Emma observa com inveja a mecânica saindo da cozinha, e conformada, tenta voltar a comer, superando o fedor.

— Crianças, não é por vocês serem lobisomens, que tem que comer feito bichos. No momento vocês são gente, não estou certa?

— Se mete não, tia. — Reclama o garoto, enchendo ainda mais a boca de comida.

O Jimmy apenas ri, já imaginando o que se seguirá.

— Você me chamou de que, pirralho? — Pergunta a policial com a perna engessada, enquanto saca uma pistola da cintura e encosta na cabeça do Andy. — Agora você passa o seu prato para o meu amorzinho, para aprender a respeitar as autoridades.

— ...dane-se, então. — Ele larga o prato na mesa, não sem antes cuspir um pouco da comida nele.

— É só separar teu cuspe do resto, que dá pra comer! — Provoca o mecânico, enquanto o garoto vai até a sala. Quando pensa em cumprir o que falou, percebe o cano da arma apontado para sua cabeça, e muda de ideia. — Acho que é melhor deixar para o cachorro da rua.

Quando chega na sala, senta ao lado da Mandy, que logo se afasta dele e senta no chão, colocando a mão no nariz. Ele ignora e presta atenção na reportagem, que fala pela centésima vez sobre o ataque à delegacia, e como o Golem está na mira da polícia após retirar uma suspeita de dentro da cela e ferir policiais a serviço.
— Tira dessa merda de canal e põe em algum com desenhos. — Andy reclama.
— ... sem chance — responde a garota — Mas diz ai, Scooby: lobo, sanguessuga... acha que esse tal de Golem é o que? 
— Tô pouco me lixando.
— Nossa, pra que fui perguntar! Mas só pra você saber, a Emma acha que não é nem um nem outro. Seja como for, o Jimmy tá muito fulo com esse cara, afinal, qualquer um que bata na Emma, merece entrar na porrada.
— Saquei então. Por isso que toda vez que a gente cai na mão, ele fica serião, batendo como se quisesse me matar. Só para quando acha que eu vou mudar pra lobo. Porque sabe né, quem tem cu, tem medo.
Mandy ri até cuspir comida, então bebe todo o refrigerante do copo para desentalar e resolve sentar ao lado do Andy, escorada nele e fazendo uma expressão sexy enquanto passa a mão pelo rosto do garoto.
— Aposto que aquele vampirão do castelo sabe onde achá-lo. A gente bem que podia fazer uma visitinha ao cara e obrigar ele a falar, você não acha? Um cara forte como você, eu sei que daria conta.
— Me erra garota, tô fora de ir atrás de vampiro!
— ...você quem sabe. — Ela diz,fazendo beicinho.
— Mas que merda é essa? — Pergunta Jimmy Duncan, aos gritos. — Fica longe da minha irmãzinha, seu tarado. Só quem trepa aqui dentro sou eu e a Emma!
E os dois brigam de novo, enquanto a Mandy passa pela cozinha e sorri para uma Emma que tenta finalmente terminar sua janta em paz.


[...]


Casa dos Winnicott, 23:00.

Claire está na janela do quarto, olhando para o castelo do Tepes enquanto bebe vinho e escuta uma música triste. Um mês se passou desde que se machucou por causa dele novamente, um mês desde que o beijou pela última vez. Ela acaricia o pescoço da gata Fionna, enquanto suspira sua desilusão amorosa.

— Claire, abra a porta, tenho uma surpresa. — Grita a mãe da jovem, batendo na porta. — Só venha vestida descentemente, pois temos visita.  

Claire abre a porta, após trocar de blusa e esconder a garrafa de vinho, e realmente fica surpresa. Ao lado da mãe, um garoto na faixa dos dez anos, de cabelos loiros como os dela, olhos verdes e um rosto sério.

— Filha, dê as boas vindas para o Tom, ele vai ficar com a gente por um tempo, até a família dele se acertar. — Diz sua mãe, com um largo sorriso no rosto, de quem sempre quis ter um menino e não conseguiu.

Claire sorri sem graça, enquanto vê o garoto entrar no seu quarto sem permissão e parar diante da janela.

— Eerrrr, olá Tom, espero que a gente se dê bem. — ela diz, tentando esquecer o ciúme infantil da atitude da mãe e causar uma boa impressão.

Ele para um momento observando o castelo distante, e então sorri.

— Tenho certeza que sim, Claire. Vamos nos divertir muito juntos.


Claire o abraça, o deixando sem jeito. A mãe sai do quarto, sorrindo ao ver os dois se dando bem. E, nenhuma das duas percebe, mas o sorriso dele, tem presas.

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