quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Capítulo 18 - Damas em Xeque


Cemitério de Santa Margareth, 19h00.

É uma noite abafada, com uma chuva fraca e inconstante caindo sobre aqueles que velam os mortos. Um enterro em uma cidade pequena é sempre um acontecimento, e a quantidade de pessoas presentes não deixa a desejar. Uma multidão de rostos apáticos em trajes negros, é essa a visão que Adam encontra ao sair de sua limousine, uma multidão de olhares curiosos e comentários maldosos, mas tudo isso não foge do esperado. Ele faz cumprimentos contidos e educados enquanto abre caminho por eles, em um terno preto como seus cabelos presos, se esforçando para demonstrar pesar pela morte do jovem Barry Freeman, ao invés de sorrir agradecido por quem quer que tenha feito isso.

Deixo de matá-lo, e mesmo assim ele morre tão pouco depois. Algumas coisas simplesmente tem que ser, Adam pensa.

— Meus sentimentos, senhor Freeman. — Ele diz, enquanto aperta a mão do homem grande e gordo, mas hoje, seriamente abatido. — Que sua família possa encontrar a ... — Sua voz é cortada quando o homem o puxa para um abraço que deixa o vampiro desconcertado.

— Obrigado por vir, Tepes. — diz Wally Freeman, olhos fundos de muito chorar — Fiquei sabendo que meu garoto e você andaram se estranhando, por isso eu fico grato de verdade por ter vindo ao funeral dele.

Observando à tudo, a verdadeira responsável pela morte do jovem cujo corpo foi devorado, e que a polícia só encontrou os ossos recentemente: Evelyn. Ela se diverte intimamente com a cena, deliciando-se em seu papel de amiga sofrida. Em um conjunto preto ousado, encara o vampiro contra o qual lutou faz pouco tempo, imaginando o que ele faria se soubesse o que ela é realmente.

— Evelyn, pelo menos disfarça. Dá pra notar seu sorriso. — Reclama Claire, beliscando o braço da amiga. Claire está em um vestido preto formal, com seus cachos loiros em coque, sem nenhuma joia e com maquiagem leve. Está magoada com o rapaz, mas ainda se lembra de como foram amigos quando crianças.

— Tô aqui rindo da sua cara, quando o Conde Drácula vier falar com você. — Ela diz, estudando a face da amiga, notando o nervosismo e ansiedade misturados nela. — Só espero que não esqueça o que ele te fez, e vá querer fazer papel de otária.

— Como se eu pudesse esquecer...

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Capítulo 17 - O Filho do Drácula


Cidade de Tirgoviste, Valáquia, 1476.

Um imponente e imenso castelo se destaca em meio as centenas de hastes de madeira que cercam a propriedade. Na maior parte delas, pessoas empaladas: homens, mulheres, idosos, crianças... Aproximadamente cem vítimas cobrem a área, e ao menos trinta delas não devem ter mais que um mês ali. Dessas, dez não devem ter mais que um dia, devido à vontade com que os corvos se alimentam de seus corpos. Também chama a atenção o número igual de hastes vazias. Como um aviso. Como uma ameaça.

É este o cenário que Adam encontra ao se aproximar do castelo de Vlad III, O Drácula. Parado em seu cavalo em frente ao portão do castelo, aguarda a permissão para entrar no lugar. Após meia hora de espera, o guarda retorna com a permissão para que Adam entre no local em que por direito deveria viver, no castelo do seu pai. “Pai”, essa é uma palavra estranha e difícil para o rapaz, após tantos anos isolado em uma terra distante, é difícil pensar no monarca dessa forma. Adam está vestindo uma casaca marrom sobre roupas de tonalidade verde, com botas resistentes e espada na cintura. Olha com admiração mal disfarçada o enorme castelo em que o pai vive, as colunas altas e cuidadosamente esculpidas, os largos corredores por onde poderia passar um grupo de homens lado a lado, os quadros e estátuas fazendo referência aos antepassados de seu governante. Como imaginava, nenhuma referência ao casamento com sua mãe ou ao fruto dele: ele próprio.

Seguindo o protocolo, o jovem entrega a espada ao chefe da guarda, antes de adentrar no salão do trono. Lugar esse magnífico, com exóticas obras de arte de terras longínquas, esculturas, armas e pinturas que dividem além da beleza, um único tema: o horror. Monstros, demônios, criaturas das trevas, sangue e morte. O salão possui uma fraca iluminação por castiçais de velas, iluminando apenas a parte mais próxima da entrada e dos seis guardas que se espalham por ela, o que dá um aspecto tenebroso a todo o ambiente. As obras de arte se espalham por todo o vasto salão, dividido por colunas e cortinas escuras, assim como por uma escada de pedra que leva a um trono de metal, com símbolos dracônicos e pedras preciosas.

Do alto das escadas, no centro de tudo e sentado em seu trono, está o homem mais poderoso e temido, não só da Valáquia, como de grande parte da Europa. Mais alto que a média, de ombros largos e porte atlético, veste roupas negras feitas exclusivamente para ele, com detalhes em ouro e pedras preciosas nos botões, anéis e cordões que usa. Grossos bigodes formam um quase cavanhaque, longos cabelos, negros como os bigodes, soltos sobre parte do rosto. Um homem imponente, para dizer o mínimo. Em seu colo, uma jovem e bela mulher, nua como veio ao mundo, emite sons de prazer enquanto tem seu pescoço beijado pelo príncipe.

O jovem permanece parado, frente ao homem que dizem ser seu pai. Encara firmemente o vulto do senhor daquelas terras por cerca de cinco minutos após ser anunciado, tempo que pareceu uma eternidade. Mesmo após encerrar sua demonstração de lascívia, deixando uma mulher exausta caída ao lado do trono, não é possível discernir maiores detalhes da face daquele que reina solitário na semiescuridão. Quase como uma escultura de si mesmo, ele não dá qualquer sinal de vida, mesmo após Adam parar em frente aos degraus que levam ao trono. Seus olhos aos poucos se acostumando a escuridão, enxergando as duras feições do monarca.

— Vai me ignorar, majestade? — pergunta ele, num misto de impaciência e raiva.

sábado, 12 de setembro de 2015

Capítulo 16 - Meu Próprio Bando


Escola “Santa Virgem”, 10h00.

Hora da pausa, os alunos se espalham pelo pátio da escola e outras dependências. Andy se senta em um canto isolado, fones de ouvido o tirando do tédio solitário de sua realidade escolar.

Após algum tempo, começa a observar os grupos de garotas reunidas por lá, todas de uniforme escolar (blusa social e saia). Examina as curvas e o “tipo” provável, um bom passatempo pelo menos. Quatro delas conversam próximas ao portão, duas sentadas e duas de pé: a mais alta e de pé é uma garota negra de cabelo Black Power. Tem traços de modelo, usa óculos da moda e parece ser a líder do grupo. Uma dupla de irmãs sentadas competem em tamanho de seios, as duas um pouco acima do peso e de cabelos castanhos, uma com cabelos longos cacheados e a outra com cabelos curtos e alisados. Por último, uma garota baixinha, de pé e afastada, muito branca e de franja azul num cabelo preto, não possui nenhum atributo físico que lhe chame atenção.

Andy resume o grupo em: “patricinha-metida”, “tetudas- gordinhas” e “tábua-branquela”. Afastada do grupo, no extremo oposto do Andy e contrastando com as demais garotas, uma jovem de uniforme surrado, All Star de bota e pulseiras de banda de rock, balança a cabeça ao som de música do celular. Ele ri ao reconhecer de quem se trata: Mandy Duncan, a irmã do mecânico.

Mandy está deitada no banco, de olhos fechados enquanto ouve música (System off a Down). De repente fica alerta por conta de um pé cutucando sua bunda.

— E ai, Hello Kitty. — Andy fala, sorriso irônico na face.

Não queria ser vista comigo? Só lamento, pensa ele.

Ela aproveita a posição e dá um chute na barriga do garoto, com força. Ele sente a dor, e leva a mão a barriga.

— ...e ai, Scooby Doo. — ela responde.

Ela retira os fones e muda a postura para ficar sentada, ele se senta ao lado dela enquanto massageia a região dolorida. Sem encarar a garota, meio sem jeito, pergunta:

— Qual o lance com vampiros?

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Capítulo 15 - Correntes e Prisões


Em uma cela solitária e fria, a vampira aguarda.

Ela veste as mesmas roupas de quando foi detida. Provou um pouco da comida e bebida oferecidas apenas para disfarçar, depois aproveitando as idas ao banheiro para pôr tudo para fora. Há duas noites sem se alimentar de verdade, ela sabe que a situação não poderá se estender por muito mais tempo. Para piorar, foi obrigada a ficar desperta durante certos momentos do dia, o que só foi possível devido à grande determinação que possui. Mesmo assim ela foi capaz de pouco mais que manter os olhos abertos, falar brevemente e as vezes, andar de um lado ao outro.

Aaahhhh, Tepezinho, que menino travesso você se revelou! — Pensa ela, enquanto caminha de um lado para o outro, assobiando a introdução da música “Patience”, do Guns in Roses. — Perdendo as estribeiras por causa da sua namoradinha humana.

Ela leva a mão até a altura do abdômen, relembrando o momento em que Adam perfurou seu tronco com a mão nua, até chegar ao seu coração morto.

Parece que você não é tão paz e amor quanto eu imaginei. Me penetrando desse jeito violento, me deixando totalmente submissa as suas vontades. — Ela sorri sozinha — Agora estou realmente fudida.

— Você parece muito alegrinha pra quem está presa, sabia? — comenta a policial Emma, sentada em um banco do lado de fora da cela, enquanto usa o celular.

Jeanne apenas a observa, caminhando lentamente até se escorar nas grades. Estampando um sorriso malicioso no rosto.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Capítulo 14 - Feridas Expostas


Hospital Central de Bleak Hill.

Claire Winnicott se encontra ao lado de uma paciente em estado terminal. A mulher, visivelmente abatida pela doença, aparenta ter bem mais que seus trinta e cinco anos, e seu ânimo definha ainda mais rápido que a saúde.

— Essa é a verdade, é sim. — Diz ela, mão frágil segurando na mão da jovem estagiária. — Enquanto eu era útil pra ele, era bonita e caia na sua conversa, ele “me amava”. Agora, depois de passar seis anos esperando e confiando nele, fazendo tudo por ele...

A voz é interrompida pelo choro, a jovem segurando com as duas mãos a delicada mão da paciente, seu olhar demonstrando empatia e atenção para uma mulher solitária.

— Estou morrendo, Claire, eu sei. E o homem que amo mais do que tudo, nem mesmo vem me dizer adeus.

Claire olha nos olhos dela, sentindo a intensidade da dor que carrega, se esforçando para reter uma lágrima que busca saída.

Não há muito que eu possa dizer. — pensa ela. — Ou talvez seja minha inexperiência, no fim das contas. Bem, tem horas em que tudo o que uma psicóloga pode fazer é estar aberta para acolher a dor da outra pessoa.

Minutos depois, a jovem está na cozinha do hospital, bebendo chá quente ao som do noticiário local, devidamente ignorado por ela, perdida nos próprios pensamentos.

Ela está morrendo, completamente abandonada pelo homem que ama. Ela sabe que foi usada, sabe que tudo o que ele lhe dizia eram mentiras, que ela nunca seria a única na vida dele. E ainda assim...

Uma lágrima molha seu rosto, que logo é enxugada pela garota. Ela respira fundo e bebe do chá, tentando aquecer o corpo, e o coração.

Ainda assim ela queria vê-lo, queria estar com ele, acima de tudo. — Um sorriso triste se segue. — Uma boba, assim como eu sou.

— Ei, ei loirinha! — grita, uma voz feminina. — Estava te procurando por todo canto!

Claire olha assustada para a faxineira do hospital, uma mulher de meia-idade, acima do peso e sorridente.

— ...sim?

— Teu namorado tá no hospital. — ela diz. — Ouvi que o coitado tá todo mordido e arranhado, vai lá vê!

— O quê!? — Dessa vez é a Claire que grita, enquanto se ergue por impulso, deixando cair no chão a xícara e o líquido que não é mais capaz de aquecê-la.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Capítulo 13 - Buscando Respostas


No estacionamento do restaurante recém inaugurado, o xerife Carlson está pensativo. De uniforme e estrela dourada, se escora na viatura policial enquanto fuma calmamente um charuto.  Com a luz de um poste reluzindo em sua cabeça calva, usa as grossas costeletas e bigode para servir de distração para os dedos da outra mão. A policial Emma está aguardando dentro do carro, enquanto sorri ao ver as chamadas não atendidas do celular (todas do noivo). Uma jovem de vinte e cinco anos, baixa estatura, cabelos ruivos em rabo de cavalo e olhos castanho-claro, com curvas meio escondidas pelo uniforme de trabalho.

O homem entra na viatura ainda desatento, seu peso afundando o banco, e o charuto empesteando o ar. O olhar de censura de sua parceira de trabalho o faz se livrar do fumo, um tanto contrariado.

 — Você é chata mesmo, hein, garota! — ele resmunga.

— “Chata” seria a quimioterapia pra tratar o câncer que esse seu charuto pode me dar. — diz ela, enquanto sorri ironicamente.

A policial liga o carro enquanto observa os papéis nas mãos do xerife: formulários, relatórios e dados, e o homem com o mesmo ar pensativo.

— Quem diria que o Conde Drácula estaria envolvido na morte da freira, hein? — Ela diz, pegando a estrada. — Os repórteres vão ficar doidos quando souberem!

— Ninguém vai saber de merda nenhuma! — Grita ele, enquanto desabotoa a parte de cima da camisa estufada. — Por hora, ele é só um dos suspeitos, e temos outros dois.

— A acompanhante do Tepes e o tal sujeito que sentou na mesma mesa da freira, certo?

O xerife está puxando a costeleta, olhar perdido.

— Principalmente o sujeito. Ele saiu junto da madre por aquela porta, logo depois do Adam Tepes ter saído com a mulher de vestido. Ele é o principal suspeito, no mínimo, uma excelente testemunha.

— Se o bendito lugar tivesse uma câmera, facilitaria o trabalho pra identificar. — suspira Emma.

— Ao menos o garçom aceitou fazer um retrato falado. Logo, logo, a gente descobre a cara do indivíduo. — Fala o xerife, enquanto vê o charuto que leva por reflexo a boca ser “tecado” para fora do carro.

— ...mas você é mesmo chata, hein!

— O senhor já disse isso xerife, não seja repetitivo. — fala Emma, sorriso debochado no rosto.

domingo, 12 de julho de 2015

Capítulo 12 - Morcegos e Cães


Castelo Tepes, 18h00.

Em um quarto totalmente escuro, o vampiro abre os olhos para mais uma noite no novo mundo em que acordou; na Inglaterra do ano de 2014, em uma pequena e isolada cidade chamada Bleak Hill. Uma taça de sangue o ajuda a começar a noite, enquanto Lincoln se encarrega dos mínimos detalhes que cercam seu mestre, principalmente dos que envolvem o fato dele ser um vampiro. Pratos de comida que nunca serão comidos, suposto trabalho intenso no escritório particular, falsas saídas diurnas por negócios... Adam sempre levantará suspeitas, cabe ao mordomo impedir que elas se tornem algo além de boatos e piadas.

Trágico. Retornei para estar com você, Marie, e após tão pouco tempo já estamos separados.

O jovem caminha pelo jardim que mandou restaurar na parte de trás do castelo, longe dos olhos de estranhos (o que inclui todos fora o mordomo). Árvores, flores e animais, uma combinação de elementos que busca trazer vida a um lugar tão fúnebre como o seu castelo, e a alguém tão morto quanto ele.

Foi sua a ideia das flores, mandei plantarem de todos os tipos que você escolheu naquela época. Será que ao vislumbrá-lo, algo em você se lembrará, Claire?

Vestindo apenas uma calça larga e de pés no chão, o rapaz de eternos vinte anos, olhos azuis, longos cabelos negros e corpo atlético se move furtivamente pelas trevas da noite. Uma oportunidade de testar seus instintos de caçador. Adam sabe já ter derramado muito sangue em batalha, durante sua longa existência, mas não sabe exatamente o quão preparado está para fazer isso de novo. Após algum tempo na espreita, ele ouve os sons de uma pequena criatura. Com alguns movimentos rápidos, consegue encurralar o pobre esquilo, de coração acelerado e desesperadamente buscando uma rota de fuga. Ao se ver acuado, mostra os dentes para seu predador.

Que criaturinha ingênua, tentando lutar contra uma força a qual não pode resistir. Somos iguais, lutando contra nosso destino, sem qualquer chance de sucesso.

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Capítulo 11 - Coisas de Família



            Nesse capítulo eu encerro a apresentação do Andy Valentine, com direito a muito sangue e lembranças do passado. Espero que gostem, cientes que Adam e companhia voltam no próximo capítulo.

          Obrigado a você que lê essa história, ficarei muito feliz se comentar deixando sua opinião sincera sobre o que está achando dela. 

Em um pátio de escola, um menino de oito anos desvia o olhar da mãe. Com o uniforme sujo de lama e sangue, o rosto machucado e os punhos fechados, o pequeno Andy se prepara para ouvir o sermão. A mulher tem apenas vinte cinco, com cabelos negros e olhos claros — como os herdados pelo filho — usa blusa social e calça jeans, com um sapato que bate nervosamente no chão.

— Não acredito que você fez isso de novo... que vai ser expulso de outra escola! — Olhos cheios de raiva, pausa para fumar. — Mas o que que tu tem nessa cabeça, moleque? Merda!?

— Eles que provocaram. — ele diz, seco. — Se alguém me provoca, eu bato mesmo! — Sorriso desafiador no rosto.

Um tapa faz o menino dar um passo para traz. Sua mãe treme de raiva enquanto se aproxima e aperta o seu rosto com força, olhos com lágrimas e voz tremida, enquanto diz:

Quem tá provocando aqui é você! — ela grita, sua voz ecoando pelos corredores da escola. — Será que não sabe ficar sem arrumar problemas, seu merdinha!?

domingo, 21 de junho de 2015

Capítulo 10 - Falta de Sorte


Em uma noite pacata e fria na cidade de Bleak Hill, um jovem vestindo de casaco com capuz e usando uma mochila caminha pelas ruas, observando o fluxo de pessoas que se dirige para a missa. A grande maioria de carro, embora uma ou outra de bicicleta ou mesmo a pé.

Sabia que nessa cidadezinha o povo adorava uma igreja, pensa o garoto, caipiras tem mais medo de demônio que de gente.

A maioria das casas é grande e com quintais ainda maiores, e após rodar por mais de meia-hora ele chega diante da casa que queria: “Winnicott”, é o sobrenome na caixa do correio, e o carro que viu saindo o faz imaginar que a casa está vazia. Depois de se assegurar de ninguém estar olhando, o jovem pula a cerca de madeira, se esgueirando pelo quintal do casarão de dois andares.

Tão fácil que dá sono, pensa, Andy Valentine.


Nenhum barulho, se há algum cachorro não apareceu ainda. Portas e janelas trancadas (como ele já imaginava), não seria difícil destrancar, mas invadir a janela de cima já aberta é mais seguro. Um, dois, em três movimentos o garoto chega na janela, rápido e furtivo, um ladrão profissional. Lá dentro, um quarto típico de garota: cama bagunçada, criado-mudo, guarda roupas de seis portas, bichos de pelúcia e mesinha com computador. O único diferencial fica por conta de uma pilha de livros de Psicologia e uma gata peluda, dormindo em cima da cama.

Abrindo o guarda roupas: perfumes, maquiagem, fotos, cds, dvds e... roupas. Já sem esperanças ele abre a última porta do móvel, lá dentro reluz um crucifixo muito bonito, que ele sabe que renderia um bom dinheiro. Mas Andy não deseja roubar objetos, algo valioso assim chamaria atenção desnecessária, prefere dinheiro vivo. Ao fechar o guarda roupas, encontra uma gata toda arrepiada olhando e silvando para ele.

— Eu não gosto de você, você não gosta de mim, cada um fica na sua, valeu? — ele fala, olhos semicerrados ao encarar a criatura.

Quando pensa em tentar a sorte em outro cômodo, som de passos vindos de fora do quarto o fazem mudar de ideia. Em cinco segundos a porta do quarto é aberta, ao mesmo tempo em que o garoto se esconde embaixo da cama.

domingo, 14 de junho de 2015

Capítulo 9 - Lobo Solitário


A primeira sensação é o cheiro.

Cheiro de medo, de alguma forma ele sabe.

Em seguida, a visão. Homens correndo e tropeçando uns nos outros, fitando-o com olhos arregalados e horror estampado na face!

Vocês tão correndo, de mim?

Depois, vem o gosto. Gosto de sangue, de homens vivos e mortos. Ele olha para um homem se arrastando, as costas dilaceradas e um braço arrancado, de onde flui sangue abundante.

Fui eu? Eu fiz isso?

Então vem o som. Som de tiros e gritos, uma mistura de raiva e desespero traduzida em disparos e urros. Seus ouvidos vibram ao som alto.

Parem, esse barulho tá me deixando zonzo!

A dor é a sensação seguinte. As balas atingindo seu corpo e o sangue espirrando por todo lado. Ele cai, grunhindo de dor em um chão banhado em sangue. Seu sangue.

Vocês querem me machucar? Me matar?

E por fim: a raiva. Uma fúria crescendo dentro dele, um fogo capaz de consumir a tudo e a todos, incluindo ele mesmo. Um ódio capaz de tirar a sanidade e qualquer resquício moral, deixando apenas a selvageria brutal.

Desgraçados...desgraçados...desgraçados...

Não há mais lugar para o pensamento, apenas instinto. Ele é um predador, e nada mais que isso.

Agora vocês são minhas presas. Agora vocês tão mortos.

sábado, 6 de junho de 2015

Capítulo 8 - Fragmentos e Consequências


Castelo Tepes, trezentos anos atrás.

Uma noite fria e de densas nuvens paira sobre a fortaleza. Do alto da sacada de seu quarto, o casal olha para o céu, como se dele esperasse respostas.

— Uma tempestade está para cair sobre esse lugar. — diz Marie Winnicott, para o jovem ao seu lado — Você teme por nós?

— Crê que o herdeiro do Drácula teria algo para temer, que não fosse perdê-la? — diz ele, segurando em suas mãos delicadas.

Ela beija as mãos do amado com ternura, apoiando-se então no peito dele, como quem busca segurança e paz, diante do caos iminente. Ele a abraça forte em resposta, seus olhos refletindo amargura.

— Viemos tão longe, adquirimos esse castelo no lugar mais isolado que pudemos encontrar, com poucos empregados, poucos conhecidos, tudo para manter os malditos longe de nós! Tudo para preservar um pouco de paz!

— Infelizmente, meu amor, desde que seu pai fez o que fez, a Ordem do Dragão se aperfeiçoou em encontrar e eliminar ameaças. Ficaram realmente muito bons em queimar seus monstros e bruxas, em nome de Deus.

O vampiro se afasta dela, apoiando-se na grade da sacada, o peso do mundo nos ombros.

— Eu sabia que era apenas questão de tempo até nos encontrarem, só pensei que teríamos mais tempo: quem sabe dez ou quinze anos de paz antes que seu fogo queimasse nosso paraíso.

Ela o abraça por trás, ciente que ele não quer que suas lágrimas rubras sejam vistas.

— Meu senhor, meu amado, o Gênesis já nos ensina que o paraíso não foi feito para durar. Adam, você que tem o nome do primeiro dos homens, mais do que ninguém deveria saber disso.

Ao longe, tornam-se visíveis as dezenas de tochas brilhando na escuridão, marchando lenta e inexoravelmente rumo a fortaleza.

— Eles vem para consumir no fogo nosso paraíso. — diz o vampiro, com íris vermelha e presas de fora — Pois eu lhes mostrarei o inferno.


sexta-feira, 29 de maio de 2015

Capítulo 7 - Melodia da Morte


Sob uma chuva intensa, com vento forte e visibilidade baixa, Pietra dirige, carregando ao lado do corpo uma escopeta. Graças as dicas do professor, conseguiu encontrar o carro dos alvos, e se esforça para não perdê-lo de vista. Paul segura a pistola que ela lhe deu, reconhecendo as armas como sendo aquelas de que o vendedor da loja falou ao Golem.

“Se a situação obrigá-lo, use isso”, disse ela,  “É uma pistola comum, porém a munição é de prata, uma fraqueza dos demônios”.

Ele se põe a analisar a situação.

Ela é forte, os vampiros que matou deixam isso claro, reflete ele, a questão é: o quão fortes esses dois são?

Se estivesse com a máscara e o traje, ele se sentiria mais confiante. Como Golem, Paul Davis é capaz de resistir a tiros e murros, capaz de submeter seus inimigos ao medo e horror. Foi assim que matou tantos caçadores de vampiros até hoje. Ainda assim, decidiu ir apenas como ele mesmo, um simples homem, ao restaurante, pronto a encontrar e matar uma mulher. Mas não vampiros.

Adam, Adam, será você realmente o Vlad Drácula?, se pergunta, se matá-lo, posso esperar por um milagre, ela será devolvida à mim, tal como era à dois anos atrás?

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Capítulo 6 - Brincando de Gato-e-Rato


Residência dos Winnicott, noite.

Em uma casa grande e com quintal ainda maior, uma jovem sai do banho com uma toalha cobrindo o corpo e outra enrolada na cabeça. Uma gata se espreguiça ao som de Amy Winehouse, enquanto sua dona usa o secador de cabelo e passa maquiagem no rosto. Desfilando um corpo de belas curvas, passeia nua pelo quarto, um conjunto de cama, armário, mesa de computador e escrivaninha, seu santuário particular.

Detendo-se diante de um colar em forma de cruz, a garota coloca-o no pescoço, lembrando-se daquele que lhe deu o presente, do beijo intenso que deram na noite da festa. Algo que mexeu com ela como nada antes já fizera. Ela ri ao notar que ficou levemente ruborizada, e dançando sozinha diante do espelho, se entrega a música.

Adam...Adam Tepes. Quem é você realmente? Capaz de me virar de ponta-cabeça em um piscar de olhos, capaz de me deixar totalmente caída em tão pouco tempo.

A gata pula na janela do quarto, localizado no andar de cima e sem casa alguma em frente, de onde pode se ver à distância, um velho castelo em cima de um monte.

Logo eu, que sempre esnobei caras populares ou ricos, que procurava motivos para terminar, apenas por não sentir que valia a pena continuar...por não me sentir pronta para...

Ela fica novamente envergonhada, e cobrindo-se com a toalha, vai lentamente até a janela. Acaricia a gata, sua maior confidente, e olha para o castelo, lar do misterioso homem que conheceu.

Por que seria tão simples me entregar à você, como nunca me entreguei a ninguém? Sei tão pouco sobre você, e ainda assim, me sinto incapaz de duvidar, de me afastar, me proteger.

Não se pode fugir de um amor que transcende o tempo.

Diz uma voz em seu coração, suave e distante... mas estranhamente familiar.

— Acho que estou ficando louca, Fiona. — Diz, para uma gata preguiçosa.

— Quem é você, Adam, capaz de me tirar o chão e a sanidade?

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Capítulo 5 - A Santa e o Demônio


É noite, próximo a um hotel de beira de esquina e preço baixo, Paul aguarda pacientemente por seu alvo. O professor está em um carro esporte, parado atrás de algumas árvores. Com luzes apagadas e binóculos, ele identifica um veículo no estacionamento que bate com a descrição que busca.

Até que não foi má ideia rondar os poucos hotéis na entrada de Bleak Hill, ele pensa.

A chuva cai tediosamente, as horas se arrastam, apenas uma garrafa de café o mantém alerta. E, é claro, a expectativa da ação. Geralmente seria o Golem a cuidar de alguém perigosa como essa caçadora, mas dentro dos limites de Bleak Hill, essa não é uma opção. Até hoje as ações do Golem foram em outras cidades, e ele não quer levantar atenção desnecessária para esse lugar no meio do nada.

Após algumas horas de espera, seu alvo dá as caras! Saindo de dentro do hotel surge a mulher: grande e de sobretudo marrom, cabelos muito negros, rosto largo e sem guarda-chuva. Ela anda até o carro, atenta aos arredores e carregando uma bolsa de viagem.

Hora de começar a caçada, ele pensa, enquanto guarda o café.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Capítulo 4 - Velhos Pecados


A chuva cai torrencialmente do lado de fora do castelo, trazendo um som, cheiro e atmosfera que deixam Adam nostálgico.

Marie adorava noites chuvosas, lembra.

Ele está de pé na sacada, o vento frio soprando em seu rosto e levantando os longos cabelos negros. Atrás de si, o quarto em que viveu como casado há algumas centenas de anos atrás, um antigo quadro restaurado como única lembrança desse tempo feliz. Desde que voltou do sono eterno, o lugar lhe traz um misto de tristeza e conforto, esperança e desilusão. Pois este é tanto o local em que Marie morreu, como aquele em que conheceu Claire, passado e presente se fundem nele, e o futuro, é exatamente aquilo que o vampiro teme.

Será que a Claire também gosta de noites assim? O quanto ela tem da mulher que conheci, afinal?

— Creio que o senhor já postergou o bastante esse momento. — fala o mordomo Lincoln, parado como uma estátua alguns metros atrás do vampiro. — Há três noites que não se alimenta, isso não pode continuar.

O homem se move para o lado, dando visão para a cama e as três mulheres deitadas nela. Elas aparentam ter algo entre vinte e cinco e trinta anos, usam roupas decotadas e maquiagem forte, e no momento, estão inconscientes. Prostitutas, ele deduz.

— É, acho que sim. — Adam exibe um sorriso nervoso enquanto olha para o trio, seus corpos convidam ao pecado, mas tudo o que ele quer delas é o sangue. E não poderia ser diferente, principalmente ali.

— Não queria ter que chegar a esse ponto, mas o senhor não me deixou escolha. — O homem guia lentamente o vampiro até suas vítimas, fazendo aquilo que sabe ser necessário. — O senhor deixou de caçar nas cidades vizinhas, recusa-se a beber dos moradores da cidade e somente a força aceitou meu próprio sangue, três noites atrás.

— Não esperei tantas décadas para vê-lo definhar e morrer. — Ele diz, com olhar firme e mão forte. E depois sai do quarto.

Adam se senta ao lado delas, belas mulheres que lhe venderiam de bom grado seus corpos, mas não seu sangue.

— Veja só, Claire! Seu bom salvador se aproveitará de mulheres indefesas, não sou melhor do que os homens a quem quase matei. — Presas de fora, um leve gemido de dor da primeira vítima, e o vampiro começa a perder-se no prazer sanguinolento.

... não, sou muito pior.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Capítulo 3 - Máscara de Pedra, Máscara de Carne


Seis messes atrás.

Em um quarto de apartamento alugado, um sujeito careca dorme só de calças sobre um colchão duro como a vida. Ao alcance do corpo, jaz uma pistola de grosso calibre, com balas do tipo certo para aquilo que ele quer matar. Tão perto quanto, garrafas de cerveja barata, do tipo certo para fazê-lo aguentar a vida que leva.

De repente, um som exótico e suave corta o silêncio. Música hebraica — não que o caçador de vampiros tenha algum interesse em saber. Ele abre os olhos, assustado, enquanto estende a mão para a arma por puro reflexo. Com sua rotina de caça às criaturas noturnas, está acostumado a passar as noites em claro e depois beber até cair no sono.

Por que raios tô sendo atacado de manhã?, ele se pergunta.

Mal tem tempo de pegar a arma: vê um vulto saltando pela porta recém-aberta. O quarto está escuro, tudo que consegue discernir é uma figura encapuzada e com uma capa que esconde o resto do corpo.

Ele atira uma, duas, três vezes, mas o estranho simplesmente joga o corpo contra o dele, lançando-o contra a parede, enquanto desvia dos tiros. Seus ossos doem, mas ainda é rápido o suficiente para atirar antes de receber outro ataque.

Será que ele sabe que eu tô de ressaca?, ele se pergunta, no mesmo instante em que aperta o gatilho.

Acerta então um tiro em direção à cabeça do misterioso inimigo.

Com essa ele morre! Com certeza não é vampiro, pra estar agindo de dia, e se for um capanga, não tem como sobreviver a isso, imagina.

No instante seguinte ao tiro o capuz é rasgado, voando para trás, revelando assim uma face bizarra que parece feita de pedra, agora com uma rachadura lateral onde o tiro acertou de raspão.

Que... que merda de monstro é você!? — Pergunta um caçador de vampiros experiente, agora assustado, caído e escorado numa parede gelada.

Sou sua morte. — diz o invasor, com voz sombria.

sábado, 25 de abril de 2015

Capítulo 2 - Humanidade perdida


Castelo Tepes, arredores de Bleak Hill.

Em um quarto de grandes dimensões e iluminado apenas por um castiçal de velas, Adam encara o espelho enquanto prova um terno.

— Tem certeza que essas são as roupas apropriadas para um cavalheiro inglês? — pergunta o homem de longos cabelos negros na altura da cintura e olhos azuis que refletem o tremeluzir das chamas.

— É um legítimo Armani, Senhor Tepes, um terno digno de seu status. — responde Lincoln, um homem de sessenta e seis anos, cabelos grisalhos, barba aparada e roupas elegantes.

Adam sorri satisfeito, começando a se sentir à vontade com as novas roupas. Já faz uma semana desde que voltou do túmulo, noites de descobertas e aprendizado constantes. Luz elétrica, televisão, rádio, telefone, internet... é tudo uma grande novidade para ele, o conhecimento humano deu um salto inimaginável nesses últimos três séculos.

— O homem foi capaz de vencer grandes barreiras através da inteligência, Lincoln, acredite quando digo: em breve, nem você me distinguirá de um jovem do século XXI!

— É claro que sim, senhor. — responde o homem, num misto de incredulidade e sarcasmo. 

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Capítulo 1 - Promessa de Sangue


Inglaterra, 1715.

Em uma noite fria e chuvosa, ele caminha por uma centena de cadáveres. Seus longos cabelos negros encharcados, suas roupas ensanguentadas, sua espada, pronta para ser usada ainda outra vez. Exausto, ele chega aos portões do próprio castelo, antes uma fortaleza segura, agora, um lugar tomado por fanáticos.

Aberração! Demônio! — O grito vem acompanhado de um golpe de machado na altura do peito. O homem que o ataca é maior e mais robusto, barba e cabelos ruivos, seu golpe com força o suficiente para partir seu tronco em dois.

A lâmina faz um corte profundo no peito do jovem que, desviando da morte certa, encrava a espada na garganta do seu agressor. Depois, chuta o corpo sem vida para fora do portão de entrada.

— Saia...da minha…casa. — Ele fala com dificuldade, caminhando por um castelo banhado em chamas e sangue. Seu castelo.

Após o que parece uma eternidade, ele a encontra: seu motivo para matar, seu motivo para existir.