segunda-feira, 6 de junho de 2016

Vampira Charlote - Parte IV (Final)



Algumas coisas tendem a se repetir.

Faltavam nove noites até meu casamento, quando Vlad fez o que fez. Peter foi massacrado e deixado em um estado muito além daquele em que um mortal sobreviveria, e eu fui sugada de forma violenta, até quase perder os sentidos, diante dos olhos tristes e impotentes do homem a quem eu já amava. Quando tudo terminou, juramos fugir juntos.

A verdade é que apaguei pouco após isso. Como ocorrera meses atrás, fui cuidada por Marjorie. Suas poções e unguentos ajudaram meu corpo a se restabelecer, e mais do que nunca, ela fez seu papel de vigia. Meu quarto não era mais meu: Marjorie dormia ao meu lado, uma garantia de que eu não tentaria nada, agora que os planos dela estavam tão perto de se concretizar. Também tinha Alice, que me trazia as refeições e me ajudava no banho, de modo que não tinha mais qualquer direito à privacidade. Disseram-me que o príncipe estava em reuniões importantes com as autoridades da capital e cidades vizinhas, e que retornaria na noite anterior ao casamento. A distância daquele homem era um alívio, por outro lado, a falta de informações sobre Peter era uma tortura. E assim se passaram seis noites.

Na sétima, algo de sobrenatural ocorreu.

— Você pode me ouvir? — Perguntava uma voz em meus sonhos. A voz de Peter, doce e suave. — Não há distância que me impeça de chegar a você, Charlote.

— O que ele te fez? — Perguntei em pensamento, temerosa da resposta.

— ...não importa. Esteja pronta amanhã, fugiremos enquanto o castelo dorme. — Um momento de silêncio. — Ou terá você desistido de arriscar tudo?

— Já lhe disse: para mim é fuga ou morte. — Falei eu, decidida. — Estou esperando por você.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Vampira Charlote - Parte III


Nem para o sol nem para a morte se pode olhar fixamente.

A frase acima não me pertence, mas sim, ao filósofo favorito de Marjorie. Sim, aquele da França. Me vi obrigada a lhe dar razão, pois fechar os olhos foi o primeiro passo do meu salto para a morte. Senti o vento gélido da noite contra o meu corpo em queda, o contato de finas gotas de chuva e o som abafado sobre meus ouvidos. Meu coração estava disparado e meu corpo todo tremia, mas eu sabia que aquilo acabaria em um instante. A vida é mesmo algo efêmero.

E então, o inesperado.

Senti braços firmes ampararem meu corpo, me segurando pelo tronco. Antes que pudesse descobrir a quem pertenciam, vi que ainda estava em queda, mas dessa vez, em direção horizontal. Meu salvador protegia meu corpo o envolvendo contra o seu, enquanto suportava os sucessivos impactos contra o chão molhado de uma torre próxima. Por um momento, me senti novamente desamparada e em plena queda, mas logo sua mão voltou a me segurar. E então eu o vi: Peter.   

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Vampira Charlote - Parte II


A vida está no sangue, diziam os cristãos.

Nesse caso, o demônio se apossou de parte da minha. De uma grande parte, diga-se de passagem. Passei os dias e noites seguintes oscilando entre a consciência e o sono, esse último, vencendo-me na maior parte do tempo. Podia ouvir meu coração batendo de forma acelerada, como em um canto desesperado de morte. Sentia-me gélida, cansada e fraca.

Como som de fundo, ouvia o girar das rodas de uma carruagem, assim como o som dos cascos dos cavalos. Muitas vezes, reconhecia a voz de Marjorie, falando coisas que eu não conseguia compreender totalmente, ou ninando-me como a uma criança. Sentia seu cheiro, seu calor, ou simplesmente suas mãos administrando algum líquido de odor estranho por minha boca.

— Beba tudo, minha querida. — Ela dizia, enquanto me fazia beber uma de suas poções. — Precisamos que esteja forte, até chegarmos ao nosso destino.

Eu não tinha condições de discutir, minha raiva se traduzia em tentar empurrá-la com meus braços sem força, ou mover a cabeça, recusando seus remédios. Como era de se esperar, tudo em vão. Depois de algum tempo, percebi que estava em uma cama, e que ela balançava ritmadamente. Após a terceira vez que vomitei, me dei conta de que se tratava de um navio. Pelas conversas que ouvia entre a criada que cuidava de mim e outros tripulantes, estávamos deixando a Grã-Bretanha. E eu sabia, infelizmente, que não era rumo a minha querida Irlanda.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Vampira Charlote - Parte I


Eu escrevo.

Escrevo para todos, e para ninguém. Escrevo para meus fantasmas, e também para mim mesma. Escrevo para vivos e mortos. Escrevo na tentativa de aliviar a dor que carrego, minha eterna maldição. Escrevo na esperança de ser lida em um tempo em que me revelar não represente uma ameaça... ou seja, um tempo que nunca virá.

Como disse antes, escrevo para ninguém.

Minha história começa há alguns séculos, mais precisamente, em 1670. Eu era uma jovem de dezoito anos, inexperiente, inocente e ansiosa por descobrir o mundo! Sim, tola, como todos os jovens são.    

— Me chamo Charlote, Charlote Berthory. — Disse eu, cumprimentando aquela elegante mulher, receosa de cometer alguma gafe quanto a etiqueta dos ingleses. — E é um prazer conhecê-la, senhora Williams.

Após um tempo que pareceu uma eternidade, e um olhar que parecia me escrutinar até a alma, ela sorriu e respondeu:

— Encantada, Charlote. Mas por favor, me chame apenas de Marjorie, pois espero que possamos aproveitar um pouco a companhia uma da outra.

Marjorie...a mulher que mudaria minha vida para sempre.

terça-feira, 26 de abril de 2016

Capítulo Final - A Esposa do Demônio


É uma noite fria, em que densas nuvens choram sobre corpos de vivos e mortos. Diante do castelo, um espetáculo de sangue e morte que somente seu amado é capaz de proporcionar. O som de carroças e cavalos, disparos de mosquetes e de bestas, gritos de homens e animais em pânico... Ela assiste a tudo isso sem muita esperança, algo em seu coração, dizendo que é o fim. Adam partiu para o campo de batalha, determinado a exterminar cada um daqueles muitos homens que ameaçam sua casa.

Na defesa do castelo, apenas uma dúzia de homens. Gente da própria região, muitos na verdade são maridos ou filhos das empregadas, que o casal contratou há poucos anos. Foi um duro golpe para Marie ver que dentre os doze guardas, cinco fogem com seus parentes (e alguns espólios) ao ver a aproximação dos inimigos, e os outros sete resolvem mudar de lado quando ouvem que seus patrões são “uma bruxa e um vampiro”. Bruxa, a desculpa perfeita para que aqueles homens “leais e obedientes” de antes, se achem no direito não só de traí-la, mas também violá-la, para só depois entregá-la aos invasores. Infelizmente para eles, Marie Winnicott tem uma espada, e sabe usá-la muito bem.

Passados alguns minutos, é com pesar que ela puxa a espada do peito do último dos traidores, não esperava que o respeito e generosidade dela para com eles valesse tão pouco. Sete corpos espalhados pelas escadas antes mesmo que os inimigos entrem. Na verdade oito, pois uma das empregadas não reagiu muito bem ao encontrar o corpo do marido pelo caminho, e decidiu que seria ela mesma a vingar seu amor. Não durou muito. Quando os inimigos chegaram, não houve resistência alguma para além de uma jovem surpreendentemente bela, com uma espada em mãos e um coração determinado.

Ela sabe que Adam faz o impossível lá fora, mas as vezes, mesmo o impossível é insuficiente.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Capítulo 22 - Os Laços que nos Unem



René avança.

Agora com a espada em uma mão e uma adaga na outra, utilizando todo conhecimento marcial acumulado em seus séculos de existência.

— Desista. A essa hora já devia ter percebido que não é um adversário digno. — Adam diz, após desviar de um ataque giratório e desferir um corte que pega da parte superior do tronco até o rosto do adversário.

René perde o equilíbrio e cai no chão. Sangue flui farto de seu olho e lábio esquerdos, agora cortados, encharcando sua blusa rasgada e o que restou de seu terno. Adam observa a vampira, sempre atenta aos seus movimentos, enquanto mantém Claire sob a mira de uma arma e de presas semi-encravadas. O obstinado vampiro se ergue novamente, apoiando-se na espada, com sua pele aos poucos regenerando todo dano sofrido.  

Pardon, mas é difícil para mim parar quando estou no auge da diversão. — Ao dizer isso, o vampiro começa a emanar uma aura ainda mais intensa.

É visível para Adam que o vampiro não só usa o sangue para regenerar seu corpo, como para ampliar seus atributos físicos, o deixando mais poderoso que antes. Algo que deseja encerrar. Assumindo a forma de um enxame, o filho do Drácula parte para cima de seu adversário, com o som de centenas de pequenos demônios alados confundindo seus sentidos, para em um último momento assumir sua forma real, desferindo um golpe capaz de decapitá-lo!

E é ai que tudo acontece, e em um piscar de olhos.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Capítulo 21 - Sem Medir Consequências



O Golem está dentro.

Do alto da parte superior da velha igreja, em uma área interligada por colunas e sacadas ornamentadas, o mascarado encontra seu alvo: Mandy Duncan. A adolescente está nua, grossos braceletes de prata prendendo seus pulsos, tornozelos e pescoço, de cabeça baixa e postura ereta e iluminada apenas pela luz de velas, enquanto é banhada por um homem vestindo um manto escarlate. O banho consiste em um jarro cheio de sangue sendo lenta e cerimonialmente derramado sobre a cabeça da jovem, em um ritual profano. O homem tem cabelos negros, pele muito branca e unhas proeminentes. Seu manto possui adereços dourados, bordados em ouro e formando desenhos intrincados. O Padre, com certeza. Próximos aos dois, quatro garotas portando armas, metade com lâminas, metade com fuzis, formando um círculo em volta do religioso e seu sacrifício.

O padre vampiro parece encerrar seu ritual, por um momento afastando-se da jovem estática, que agora é vestida por uma das garotas. A chance que ele esperava. O Golem salta em direção a refém, parando a meio metro do chão (seguro por um cabo com arpão), em seu movimento de descida, quebrando o pescoço da inimiga mais próxima, para em seguida ser puxado de volta pelo cabo enquanto pega a loba pela cintura. Tudo muito rápido, para espanto dos presentes. Uma vez de volta ao alto e com seu prêmio, o Golem ativa a música: sua melodia característica, vinda de gravadores posicionados em diferentes trechos do caminho trilhado. O Padre apenas observa enquanto a dupla de fuzil dispara na direção do invasor e a jovem de faca corre ao auxílio da amiga moribunda.