quarta-feira, 25 de maio de 2016

Vampira Charlote - Parte III


Nem para o sol nem para a morte se pode olhar fixamente.

A frase acima não me pertence, mas sim, ao filósofo favorito de Marjorie. Sim, aquele da França. Me vi obrigada a lhe dar razão, pois fechar os olhos foi o primeiro passo do meu salto para a morte. Senti o vento gélido da noite contra o meu corpo em queda, o contato de finas gotas de chuva e o som abafado sobre meus ouvidos. Meu coração estava disparado e meu corpo todo tremia, mas eu sabia que aquilo acabaria em um instante. A vida é mesmo algo efêmero.

E então, o inesperado.

Senti braços firmes ampararem meu corpo, me segurando pelo tronco. Antes que pudesse descobrir a quem pertenciam, vi que ainda estava em queda, mas dessa vez, em direção horizontal. Meu salvador protegia meu corpo o envolvendo contra o seu, enquanto suportava os sucessivos impactos contra o chão molhado de uma torre próxima. Por um momento, me senti novamente desamparada e em plena queda, mas logo sua mão voltou a me segurar. E então eu o vi: Peter.   

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Vampira Charlote - Parte II


A vida está no sangue, diziam os cristãos.

Nesse caso, o demônio se apossou de parte da minha. De uma grande parte, diga-se de passagem. Passei os dias e noites seguintes oscilando entre a consciência e o sono, esse último, vencendo-me na maior parte do tempo. Podia ouvir meu coração batendo de forma acelerada, como em um canto desesperado de morte. Sentia-me gélida, cansada e fraca.

Como som de fundo, ouvia o girar das rodas de uma carruagem, assim como o som dos cascos dos cavalos. Muitas vezes, reconhecia a voz de Marjorie, falando coisas que eu não conseguia compreender totalmente, ou ninando-me como a uma criança. Sentia seu cheiro, seu calor, ou simplesmente suas mãos administrando algum líquido de odor estranho por minha boca.

— Beba tudo, minha querida. — Ela dizia, enquanto me fazia beber uma de suas poções. — Precisamos que esteja forte, até chegarmos ao nosso destino.

Eu não tinha condições de discutir, minha raiva se traduzia em tentar empurrá-la com meus braços sem força, ou mover a cabeça, recusando seus remédios. Como era de se esperar, tudo em vão. Depois de algum tempo, percebi que estava em uma cama, e que ela balançava ritmadamente. Após a terceira vez que vomitei, me dei conta de que se tratava de um navio. Pelas conversas que ouvia entre a criada que cuidava de mim e outros tripulantes, estávamos deixando a Grã-Bretanha. E eu sabia, infelizmente, que não era rumo a minha querida Irlanda.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Vampira Charlote - Parte I


Eu escrevo.

Escrevo para todos, e para ninguém. Escrevo para meus fantasmas, e também para mim mesma. Escrevo para vivos e mortos. Escrevo na tentativa de aliviar a dor que carrego, minha eterna maldição. Escrevo na esperança de ser lida em um tempo em que me revelar não represente uma ameaça... ou seja, um tempo que nunca virá.

Como disse antes, escrevo para ninguém.

Minha história começa há alguns séculos, mais precisamente, em 1670. Eu era uma jovem de dezoito anos, inexperiente, inocente e ansiosa por descobrir o mundo! Sim, tola, como todos os jovens são.    

— Me chamo Charlote, Charlote Berthory. — Disse eu, cumprimentando aquela elegante mulher, receosa de cometer alguma gafe quanto a etiqueta dos ingleses. — E é um prazer conhecê-la, senhora Williams.

Após um tempo que pareceu uma eternidade, e um olhar que parecia me escrutinar até a alma, ela sorriu e respondeu:

— Encantada, Charlote. Mas por favor, me chame apenas de Marjorie, pois espero que possamos aproveitar um pouco a companhia uma da outra.

Marjorie...a mulher que mudaria minha vida para sempre.