terça-feira, 1 de setembro de 2015

Capítulo 15 - Correntes e Prisões


Em uma cela solitária e fria, a vampira aguarda.

Ela veste as mesmas roupas de quando foi detida. Provou um pouco da comida e bebida oferecidas apenas para disfarçar, depois aproveitando as idas ao banheiro para pôr tudo para fora. Há duas noites sem se alimentar de verdade, ela sabe que a situação não poderá se estender por muito mais tempo. Para piorar, foi obrigada a ficar desperta durante certos momentos do dia, o que só foi possível devido à grande determinação que possui. Mesmo assim ela foi capaz de pouco mais que manter os olhos abertos, falar brevemente e as vezes, andar de um lado ao outro.

Aaahhhh, Tepezinho, que menino travesso você se revelou! — Pensa ela, enquanto caminha de um lado para o outro, assobiando a introdução da música “Patience”, do Guns in Roses. — Perdendo as estribeiras por causa da sua namoradinha humana.

Ela leva a mão até a altura do abdômen, relembrando o momento em que Adam perfurou seu tronco com a mão nua, até chegar ao seu coração morto.

Parece que você não é tão paz e amor quanto eu imaginei. Me penetrando desse jeito violento, me deixando totalmente submissa as suas vontades. — Ela sorri sozinha — Agora estou realmente fudida.

— Você parece muito alegrinha pra quem está presa, sabia? — comenta a policial Emma, sentada em um banco do lado de fora da cela, enquanto usa o celular.

Jeanne apenas a observa, caminhando lentamente até se escorar nas grades. Estampando um sorriso malicioso no rosto.


— Não sou advogada, juíza e nem nada, mas se eu fosse réu confessa do assassinato de uma freira, estaria preocupada. — a policial diz isso, sem tirar os olhos do aparelho. — E tendo um milionário disposto a me ver mofar na cela, pior ainda.

A vampira observa a jovem ruiva, de olhos castanhos e belas curvas. Confiante, em seu uniforme de agente da justiça, portando arma e distintivo, separada dos transgressores pelo cumprimento da lei e por grades de ferro.

— Você sabe que esse joguinho não vai durar, não é mesmo? Eu logo estarei fora desse lugarzinho agradável, de uma forma ou de outra. — Os olhos delas se encontram, com o sorriso da vampira aumentando. — Você sabe não é, sobre mim e meu amiguinho? Com um noivo como o seu, com certeza você sabe.

Emma fica paralisada quando ouve as palavras da vampira, não imaginava que ela fosse saber logo sobre o Jimmy.

Desgraçada...ele sempre foi discreto, ela nem mesmo é da cidade, como raios pode saber que o Jimmyzinho é um lobisomem?

Emma saca a arma e aponta na direção da cabeça da vampira, ainda a distância.

— Eu estava desconfiada, e pelo jeito, estava certa sobre vocês. Mal encosta na comida, sempre demora no banheiro após as refeições, durante todo o dia fica apática ou dormindo. — A policial aponta a arma e diminui a distância entre elas, mas não o suficiente para que a vampira possa arriscar algo. — Sei que a cada hora sem sangue você fica mais e mais fraca, e que assim que perder o controle, vou ter a desculpa que preciso pra estourar sua cabeça, vadia.

A vampira segura nas grades, tentando ficar o mais próxima possível da sua carcereira.

— Sabe, eu já fui como você: uma policial obstinada, cheia de vontade de fazer a diferença, e brincando de brigar com gente muito mais poderosa e sabida que eu. E olhe só como eu terminei! Morri jovem, só que para minha sorte, quem me matou, tinha outros planos para mim. — Jeanne estende a mão na direção da policial, que a encara séria. — Me dê um pouquinho do seu sangue, só o suficiente para que eu me sinta melhor. Faça isso, e prometo esquecer dessa cidadezinha de merda, de você e do seu homem. Negue-se a me ajudar, e logo essa delegacia vai ficar inundada em sangue. O seu, dos seus amigos, do xerife...e quando acabar, do seu noivinho e da irmãzinha dele.

Emma coloca a arma de volta no coldre, então sorri desafiadoramente para a prisioneira.

— Você parece muito confiante para fazer ameaças, enquanto mendiga por gotas de sangue. Pelo que sei, um lobão como ele pode encarar um de vocês sem problemas, além de que no seu estado, as ameaças me soam bem vazias.

Nesse momento a vampira parece seguir alguma coisa com os olhos, quando então dá um leve tapa no próprio braço. Quando tira a mão, a policial vê um pequeno cisco preto em meio a uma pequena mancha de sangue. A sanguessuga lambe o sangue que roubou da mosca, depois lambendo os lábios.

— Você não me entendeu, queridinha. Não sou eu quem vai fazer isso. Se você cumprir sua ameaça, eu posso até estar sem metade do crânio quando vierem me buscar. Mas eles virão, através de brechas da Lei, ou simplesmente passando por cima dela. — Jeanne se senta de volta na cama, como se quisesse poupar as forças. — E ai eu pergunto: o que será de vocês quando eles chegarem?

[...]

Delegacia de Bleak Hill, meia-hora atrás.

Roger está vestindo um belo terno cinza, com óculos de grau e barba postiça. Porta documentos falsos e dirige um carro de placa trocada, sua velha arma está bem escondida, assim como suas intenções. Enquanto dirigia até o local, não pôde deixar de ouvir as sirenes de viaturas se dirigindo para a direção contrária.

Parece que o Davis conseguiu criar a distração que prometeu, pensa ele.

Roger teve uma boa carreira como investigador de polícia, obviamente, teve que aprender a arte da enganação e sutileza para extrair o que queria de alguns suspeitos, vítimas, testemunhas ou criminosos. Mas a verdade é que nunca gostou realmente disso! Um homem sincero e direto, é esse o tipo de homem que ele é. Mas não está noite.

— Jorge Mayer, advogado da senhorita Hillton. — ele diz, afetando impaciência para o jovem policial que o aborda. — Leve-me até minha cliente, por gentileza.

— Péssima hora, amigo. — Responde o rapaz de dezenove anos, bigode ralo e braços cruzados. — Está tendo um quebra-quebra no museu da cidade, o xerife está muito ocupado.

Roger usa seu melhor olhar de desprezo, e percebendo a inexperiência estampada na face do policial que foi deixado lá, resolve se aproveitar disso, dizendo:

— Creio que não fui suficientemente claro. — ele se põe à frente do policial, que recua instintivamente. — Eu exijo falar com minha cliente agora! Caso contrário, algumas ligações serão feitas, e logo você e seu xerife terão problemas bem maiores que um quebra-quebra para resolver.

O rapaz coça a bochecha e desvia o olhar, e após alguma hesitação responde:

— Vou avisar o xerife, senhor. Aguarde aqui na recepção, por favor.

Assim que o rapaz se afasta, Roger envia a mensagem combinada, para que Paul saiba quando o Golem poderá agir. Nesse intervalo de tempo entre a detenção da acusada e sua vinda até a delegacia, o professor Davis e ele reuniram uma série de informações sobre o local e o rumo de ação que tomariam. A quantidade de policiais, viaturas, os turnos, a localização das principais câmeras, portas e janelas. Eles também ficaram sabendo que os policiais tem trabalhado dobrado nesses últimos dois dias, com certeza para manter a situação sobre controle com a acusada.

Roger sabe que está arriscando tudo, sua liberdade e reputação, talvez até sua vida, se tudo der errado. Ainda assim fez uma exigência, a única para que aceitasse fazer papel de isca: nenhum policial será morto, não importa o que venha a acontecer. Não poderia ficar em paz consigo mesmo se isso acontecesse.

Há que ponto cheguei! Colocando minha vida e carreira em jogo em nome da resposta ao mistério que atormenta minha vida. A solução do único caso que nunca pude solucionar. Confiar tudo nas mãos de um intelectual excêntrico e de um vigilante mascarado.

O policial então retorna, postura tensa e resposta sem jeito.

Sua deixa, Golem. Traga Jeanne Hillton para mim.

[...]

O xerife Corlson está em sua sala, diante de um computador e pilhas de relatórios. Jeanne Hillton continua detida na cela, situação que sabe, não pode perdurar. Milagrosamente não apareceu ainda nenhum advogado, porém após a estranha confissão de culpa na noite do hospital, ela negou-se a dar quaisquer outras explicações a respeito do caso.

Há dez anos como xerife da cidade, é a primeira vez que Corlson Smith se vê contra a parede. Cidade pequena, crimes esporádicos e previsíveis, a realidade era essa até poucos meses atrás. Ele era respeitado pela população e elogiado pelo prefeito. Mas agora tudo é diferente. Seu pesadelo começou com o desaparecimento do filho do senhor Freeman, um garoto inconsequente sobre quem pousavam suspeitas sobre assédio sexual, brigas e acidentes de carro. Ele desapareceu, e os indícios levam a crer que tenha sido assassinado na floresta.

Pouco depois, uma freira que estava de passagem pela cidade foi roubada e assassinada com tiros, depois deixada para queimar junto do carro. Uma boa parte da população e mesmo da polícia tem colocado a culpa no “Conde Drácula”, o tal milionário Adam Tepes. Isso é natural, pois há relatos de que o jovem Barry Freeman teria saído ferido da festa na qual o senhor Tepes foi visto pela primeira vez, no próprio castelo. A madre jantou na mesma mesa que ele, e testemunhas relatam ânimos exaltados entre os participantes.  Ele seria naturalmente o principal suspeito, com o sujeito misterioso que foi visto na mesa com ela como um possível cúmplice. Mas a verdade é que surgiu um peixe novo no aquário.

Jeanne Hillton estava na mesma mesa que o Tepes, e posteriormente foi vista discutindo com a madre. Saiu de carro junto com ele, pouco antes da madre e do outro elemento. No que sobrou do seu carro capotado e na arma caída próximo de onde foram encontrados, munição de prata foi descoberta. O mesmo tipo de munição que foi usada para executar a freira. O mesmo tipo de munição encontrado em cenas de crimes atribuídos ao “Golem”. O que sugere que ela não só é a assassina da madre, mas que também tem ligação com o serial killer mascarado que ganhou fama na mídia nacional.

É muito estranho que ela tenha simplesmente assumido a autoria do crime e ainda inocentado o Tepes, uma postura bastante conveniente para o sujeito. Mas as pistas apontam igualmente para ela, e uma confissão somada a essas evidências não são coisa que se possa desprezar. É sobre isso que o xerife reflete enquanto toma um chá requentado e procura um novo charuto.

Com isso eu não só soluciono o caso da freira, como posso chegar até o tal do Golem! Prender o mascarado, isso sim pode fazer de um xerifizinho do interior alguém respeitado em todo o Reino Unido. Isso vale os telefonemas, as noites sem dormir e a comida que tenho engolido. Dane-se o bando de baderneiros quebrando velharias, os outros podem cuidar disso. O importante sou eu e a Emma ficarmos bem ligados e a postos, não posso perder essa oportunidade por nada nessa vida.

Som de batidas na porta, seguidas do jovem policial entrando timidamente e dizendo:

— Xerife, tem um sujeito ai na frente dizendo ser o advogado da suspeita. — fala Manson, o policial em treinamento. — Tá exigindo falar com ela.

O xerife fecha a cara, a raiva crescente explodindo em uma pancada na mesa. O rapaz fica paralisado e aguardando ordens.

— Mande que espere! Já falo com ele. — diz o xerife, contrariado.

[...]

Delegacia de Bleak Hill, quinze minutos atrás.

Noite densa, com um silêncio sepulcral ao redor da delegacia. Em uma área aberta, com mato baixo e terra batida, ele se move como um vulto em direção a porta lateral. Para alguém revestido por uma grossa couraça, ele se move com incomum agilidade, buscando o ponto cego das câmeras já conhecidas e do único policial que encontra de guarda na área.

Em um movimento ele agarra o homem robusto, com um “mata-leão” inesperado e bem aplicado, impedindo o homem de gritar e o levando a inconsciência. Paul sabe ser furtivo e eficiente, quando quer. Consegue ouvir a discussão entre o xerife e o suposto advogado, propositalmente irritando o xerife e elevando a voz, para desconcentrá-lo e indicar sua localização. Uma coronhada no disjuntor é o suficiente para acabar com a luz do lugar. Ordens do xerife, e o policial cheirando a leite chega para examinar, arma e lanterna em punhos, e um ar assustado. O garoto imagina se algum dos arruaceiros teria a ousadia de atacar a delegacia, e se hoje será enfim o dia em que vai ter a chance de disparar contra um criminoso.

O Golem surge por trás dele como um fantasma, sabendo que esse alvo é ainda mais fácil que o outro. Mas a facilidade o incomoda! O Golem não é um espião ou soldado especial, ele é um monstro, uma lenda. O professor não tem pressa, e resolve aguardar o policial notá-lo e tentar reagir. Quando o jovem se vira, dá de cara com o que parece uma estátua de pedra, capaz de desarmá-lo e quebrar seu braço antes mesmo dele apertar o gatilho.

— Sabe quem eu sou? — pergunta Paul Davis, sob uma máscara sem expressão, para um oficial da lei desarmado e assustado.

Ele então esmurra a parede ao lado dele, à centímetros do rosto do jovem.

Go...Golem! — o policial diz, com pernas trêmulas e rosto contorcido pela dor.

O Golem então ergue o policial pelo pescoço, com apenas uma mão. Sem perceber, repetindo a cena que sua amada vampira fez há dois anos atrás. Mas dessa vez, é o garoto quem faz o papel dele.

— A polícia não pode me impedir, suas armas são inúteis contra mim. — O jovem se debate, pés chutando inutilmente a resistente carcaça. — O que sou é mais forte que qualquer homem, mais rápido... e mais letal.

O garoto então apaga, e Paul se dá conta do que deve fazer.

O professor adentra o lugar escuro, sua melodia estrangeira cortando o silêncio, deixando para trás um policial com uma mão e um pé algemados como um porco.

[...]

O ex-investigador está sentado na cadeira à frente da mesa do xerife, resmungando sobre as péssimas condições da delegacia em que sua cliente está sendo mantida, enquanto o xerife termina de trocar as pilhas da lanterna. Nesse momento a melodia começa. Roger não esperava pela música, imaginava que o vigilante seria mais cuidadoso dessa vez. Eles se olham por um momento, e o velho policial sente que algo no ar mudou. Ele juntou as peças! Quebra-quebra, advogado, falta de luz, Golem, Jeanne.

Em um instante os dois homens sacam suas armas, o cano da velha arma do Roger apontando para o xerife, bem na hora em que o mesmo tentava alcançar a própria arma na cintura.    

— ...devo estar mesmo um bagaço pra ser mais lerdo que um velhote como você. — resmunga o xerife, roxo de raiva.

Roger o algema a mesa, após tirar as armas e celular do seu alcance.

— Não se preocupe, senhor Corlson. Ninguém precisa se machucar hoje, só preciso levar uma encomenda para casa. — Diz Roger, ambivalente. Pois ao mesmo tempo em que se sente mal por infringir as leis e apontar uma arma para um companheiro de trabalho, se sente empolgado por reagir antes dele.

[...]

Delegacia de Bleak Hill, cinco minutos atrás.

Emma avança silenciosa, com um velho fuzil pouco utilizado em mãos. A arma tem iluminação própria, o que garante que ela possa usar as duas mãos para operar a coisa. Ela está tensa, até mesmo um pouco ofegante.

Vamos lá garota, foi pra isso que você conquistou esse distintivo, não foi? — reflete ela, com um sorriso nervoso. — Não, não foi! Me tornei policial para proteger a cidade, não para encarar monstros saídos de lendas.

A música é algo inusitado. Emma sempre se manteve bem informada sobre o Golem, e pôde reconhece-la facilmente. Ela sempre imaginou que o Golem fosse um vampiro, e que o xerife não estava tão longe da verdade afinal de contas. Só que o mais estranho foi a expressão da vampira quando a ouviu.

Eu jurava que a puta ia dar uma risada maquiavélica e zombar da minha cara! Só que ao invés disso...parecia assustada.

O invasor é silencioso, o que só aumenta o susto da policial quando a luz do fuzil revela um vulto à apenas um metro de si! Emma dispara de forma descontrolada, criando um inferno de sombras e tiros. Quando cessa, sente um arrepio por todo o corpo, sentindo a presença do mascarado bem atrás de si.

Está atirando no monstro errado. — sussurra a voz gutural.

Ela vira a arma na direção do som, só que não rápido o bastante. Não antes de ter a perna quebrada por uma pesada violenta que a faz gritar, enquanto cai de joelhos e deixa a arma cair ao chão. Os olhos da policial se enchem de lágrimas enquanto rilha os dentes de dor, e sente a morte tão próxima.

...algeme-a, como fez ao outro. — Diz o Golem, para um comparsa, enquanto recolhe o fuzil e vira as costas para uma jovem enfurecida.

O que eles não esperavam é que em meio a dor ela tivesse espírito para sacar uma pistola escondida, e atirar na direção do homem barbado que vem ao seu encontro. A arma dispara cinco vezes, um dos tiros atingindo o ombro do sujeito, que parece ter sido pego de surpresa. Emma o vê recuar, enquanto leva a mão ao braço e aponta a arma para a direção dela, que sequer consegue se mover...mas estranhamente hesita. E se arrasta para fora do recinto sem disparar um só tiro.

Quando ela tira os olhos do alvo anterior, o Golem já está ao seu lado. Ele chuta a arma das mãos dela, depois atingindo seu rosto com as costas da mão. É um golpe duro, e Emma se pergunta se continua consciente por ser muito durona ou muito teimosa.

— Maldito...malditos todos vocês, vampiros desgraçados! — Ela berra, enquanto luta contra as lágrimas e a dor.

Por trás da máscara inexpressiva, Paul a observa com interesse.

Então você sabe o que ela é. — A voz gutural afirma. — Mas se engana sobre o que sou.

Emma o encara, ciente de que ele pode matá-la quando bem quiser, e que essa não é hora de ter medo.

— E que merda você é, então?

De costas para ela, ele caminha lentamente na direção da porta, e a abre usando a chave que a policial tinha guardada em seu bolso, para o espanto da mesma.

Sou um predador, um caçador de monstros. — Ele diz, enquanto empurra a porta. — Sou o túmulo de pedra dos mortos que ainda caminham. — Ele entra. — Eu sou Golem.

[...]

A vampira aguarda, sentada em sua cama na cela. Aguarda, simplesmente por não ter qualquer outra opção. Quando a escuridão se fez presente, pôde enxergar a surpresa e o medo nos olhos da jovem policial. Emma Watson, que garota adorável! Como ela gostaria de transformá-la em uma vampira, tal qual fizeram com ela há tantos anos atrás. E no caso da Emma teria um tempero a mais, pois ela é noiva de um lobisomem! Que delicioso seria para Jeanne acompanhar o destino do amor dos dois, se seria forte o suficiente para resistir a mudança. Se o lobão conseguiria olhar para ela e enxergar a mesma garota adorável que amava, ou apenas um cadáver bebedor de sangue, e destrocá-la na primeira lua cheia.

Devo ser mesmo uma mulher infeliz, sentindo tanto prazer em azedar o romance dos outros. — reflete ela, depois rindo de si mesma — Só mesmo a proximidade da morte para me tornar tão autocrítica assim.

Mas isso não é hora de pensar na ruiva, ela percebe, há um problema bem maior às portas. Pois após a escuridão, onde contemplou o medo nos olhos da policial, foi a vez de ela mesma experimentar o medo. Isso após ouvir a música.

O safado veio me buscar. Não acredito! Nem o Adam e nem meus amigos, mas justo o único filho da puta que eu não esperava ver nessa noite.

Após um tempo que pareceu uma eternidade, após os tiros e gritos, a porta se abre. E dela sai um uma figura imponente, andando com calma calculada e carregando desleixadamente um fuzil. Aos poucos a máscara de pedra vai se tornando cada vez mais nítida aos seus olhos acostumados ao escuro, uma capa grossa cobrindo uma grossa couraça capaz de proteger um corpo humano de tiros e morte.

Jeanne Hillton. — Diz o monstro de pedra. — Vampira, assassina: monstro.

Ela permanece sentada na cama, de pernas cruzadas e olhando para as unhas da mão. Tentando não demonstrar qualquer sinal de medo.

— O Golem. Já ouvi falar um bocado sobre você. — Ela fala, olhando desinteressadamente para ele. — Sei que não é vampiro, pois não consigo sentir você como um igual. Lobo também não é, se fosse não conseguiria usar essa casca, e na verdade nem teria medo dos tiros. Logo, só posso supor...

Um som alto sinaliza o tiro de fuzil que atinge a vampira no ombro esquerdo, o impacto a jogando contra a parede. O ferimento tira muito menos sangue do que se esperaria, devido ao pouco sangue que ela ainda retêm no corpo morto. Mas o estrago é bastante feio.

O tempo das palavras acabou. — Paul sentencia.

Ela salta então na parede, usando o pouco de sangue que ainda tem, para um último gesto de ousadia. Sorrindo para seu executor, ela diz:

— Agora é só me dar minha Magnum, e juntos poderemos reviver aquela divertida noite. — Som de passos entrando pela porta. Ela com as presas de fora, sorriso astuto. — Não concorda... professor Davis?

O Golem olha para o Roger entrando pela porta, com uma pistola em mãos e um pano estancando o sangramento. Seus olhos atentos na direção da mulher que investigou e perseguiu inutilmente por anos. Paul então retira a máscara, revelando um rosto humano e sorridente para a vampira. Roger e Jeanne confirmam suas principais suspeitas, ela sobre Paul Davis ser o Golem, ele sobre Paul também, só que muito mais importante, sobre ela ser um vampiro.

Paul joga o fuzil para longe, de trás da capa tirando um objeto prateado e brilhante. Uma corrente. Ela o encara com ar de indignação, ele apenas sorri, deliciando-se com a raiva dela. E então assubia, como faria para um cão.

— Vem Jeanne, vem com o papai. — Ele balança a corrente. — Você será meu novo bichinho de estimação, agora.  

Instantes depois, a vampira é arrastada pelo chão, puxada por uma corrente de prata presa ao pescoço. Na haste contrária da corrente, o Golem a carrega com firmeza, ciente da incapacidade da vampira revidar de qualquer forma. Roger vem logo atrás, observando meio atônito ao espetáculo de dia das bruxas. Quando passam pela policial ferida e algemada, os olhos da vampira encontram com os dela.

Não se preocupe, policial. — fala o Golem — Ela nunca mais causará problemas a essa cidade.

Jeanne rilha os dentes pela dor causada pela prata, Roger observa o rosto da policial...e vê um sorriso nele. Jeanne também vê. E grita. Grita de ódio, de dor...e de medo.

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