René
avança.
Agora
com a espada em uma mão e uma adaga na outra, utilizando todo conhecimento
marcial acumulado em seus séculos de existência.
—
Desista. A essa hora já devia ter percebido que não é um adversário digno. —
Adam diz, após desviar de um ataque giratório e desferir um corte que pega da
parte superior do tronco até o rosto do adversário.
René
perde o equilíbrio e cai no chão. Sangue flui farto de seu olho e lábio
esquerdos, agora cortados, encharcando sua blusa rasgada e o que restou de seu
terno. Adam observa a vampira, sempre atenta aos seus movimentos, enquanto
mantém Claire sob a mira de uma arma e de presas semi-encravadas. O obstinado
vampiro se ergue novamente, apoiando-se na espada, com sua pele aos poucos regenerando
todo dano sofrido.
— Pardon, mas é difícil para mim parar
quando estou no auge da diversão. — Ao dizer isso, o vampiro começa a emanar uma
aura ainda mais intensa.
É
visível para Adam que o vampiro não só usa o sangue para regenerar seu corpo, como
para ampliar seus atributos físicos, o deixando mais poderoso que antes. Algo que deseja encerrar. Assumindo a
forma de um enxame, o filho do Drácula parte para cima de seu adversário, com o
som de centenas de pequenos demônios alados confundindo seus sentidos, para em
um último momento assumir sua forma real, desferindo um golpe capaz de
decapitá-lo!
E é ai que tudo acontece, e em um piscar
de olhos.
A
lâmina de Adam arranca sangue do seu alvo em um movimento para o qual o francês
não estaria preparado...não fosse o poder de seu dom recém manifesto. Em uma
velocidade de reação espantosa, o vampiro de pele negra sai da mira de seu
inimigo, apenas à um instante da completa decapitação! Ao mesmo tempo em que
testemunha seu inimigo desviar por um triz, ele mesmo é atingido em cheio pela
adaga arremessada, que fere seu olho direito. Simultaneamente, Adam se vê
forçado a bloquear uma estaca que por pouco não perfura em cheio seu coração! O
ataque com estaca vem do pequeno vampiro Tom, a criança loira, que aproveitando
a concentração de Adam em René, tenta um golpe rápido e letal. Saindo das
sombras ele surge do alto, tentando apunhalar seu algoz. Infelizmente para ele,
Adam consegue bloquear e partir a estaca já parcialmente encravada, se
afastando de ambos os inimigos.
É com
a pele e osso do pescoço setenta porcento cortados, que René Chermont escapa do
seu fim. Com o braço regenerado firmando a cabeça no lugar, enquanto observa a
criança vampira pousar no chão, após uma tentativa frustrada de dar fim a luta.
— Desculpem velhotes, prometo não interferir
mais na briguinha de vocês, é que não resisti quando ouvi a voz da oportunidade
cantando meu nome. — Zomba o pequeno vampiro, enquanto saca das costas outra
adaga, e caminha em direção a vampira que mantêm Claire como refém.
Adam ficou bastante surpreso com a capacidade
do garoto de enganar seus instintos. Um mínimo descuido, e ele teria morrido
para uma criança! Inaceitável, ele pensa.
— O
que faz aqui embaixo, garoto? Para além de me aborrecer? — Pergunta René, com o
pescoço já quase totalmente restaurado.
Tom
sussurra algo para a vampira, que após esboçar uma expressão tensa, troca de
lugar com ele, olhando uma última vez para o espetáculo antes de sair por um
caminho que Adam desconhece. Após colocar a Claire de joelhos, e com o pescoço dela
na ponta da sua adaga, Thomas responde:
— Eu
sou o garoto de recados, então só vim avisar: problemas. Problemas lá fora e aqui dentro. Problemas com os
garotos e até com a matilha. — O rosto angelical assume um sorriso sádico. —
Parece que o Tepes trouxe amiguinhos, um deles está lutando com o Padre agora
mesmo.
[...]
A garota
o encara com ar assustado. Ela sempre foi corajosa, mas despertar nua e
algemada dentro de uma igreja sinistra, cercada por cadáveres de gente e
morcegos, e com um mascarado de preto olhando para si, não é algo para o qual
ela estava preparada. Com o corpo fraco ela se levanta, os braceletes de prata unidos
por correntes que dificultam cada passo, isso fora sua função principal: impedir que ela se transforme. O
contato direto da prata sobre suas mãos, tornozelos e pescoço, deixam a garota
se sentindo totalmente indefesa...isso fora a dor. Prata queima, incomoda e
enfraquece.
Mandy
se segura numa grossa cortina de cor vinho, que depois puxa com toda força que
tem. Um pedaço do tecido se parte... e ela se cobre com ele. Então ouve o som,
primeiro de algo acertando o teto, depois do pouso do mascarado encouraçado
perto dela. Paul está ofegante, ultrapassou seus limites na luta, e agora paga
o preço. Sente diferentes dores por todo corpo, e quando desce do arpão na
parte superior da igreja, sua vontade é ficar por lá mesmo. Obviamente, sabe
que tem que sair de lá o mais rápido possível...e com a garota.
— Mandy Duncan. Venha comigo, vou levá-la
ao seu irmão. — Ele diz.
A
garota o encara por um tempo, assim como ao corpo do Padre, uma de suas últimas
lembranças conscientes envolvia o vampiro.
—
Você não cheira como eles. — Som dela fungando, já mais confiante. — Você
também não é como eu, ou não ia usar um treco desse. Você é o Golem, tô certa?
Paul passa pela garota, buscando um caminho
mais rápido, seguro e silencioso para fora da igreja até seu carro.
— Até que não é burra... para uma cachorra. — Conclui.
A
vontade da garota é jogá-lo lá embaixo...pensamento que estranhamente lhe traz
uma sensação de déjà vu. Após engolir
a raiva, e muito devido ao cansaço, ela pede:
—
Quebra essas algemas, e eu deixo de ser um fardo. — Ela estende os braços
algemados. — Eu posso ser útil, cara, é só conseguir mudar de forma.
— Não, prefiro assim. Cães devem ficar na coleira. — Após dizer isso, ele a puxa
pela corrente, e usando o arpão, atravessa a janela para o lado de fora junto
dela.
Mal
alcançam o lado exterior do templo, ouvem o som de um impacto contra as portas
laterais da estrutura. A Mandy não tinha como saber, mas se tratava do Andy
entrando na igreja. O Golem desce com a jovem licantropo, mal suportando o peso
de ambos. A distância dessa área até os muros não é longa, e sem qualquer sinal
de outros inimigos, parece que a missão chegou ao seu fim. Ou ao menos era isso
que Paul desejava. Mas ele estava errado.
— Golem! — O
grito vem de uma voz conhecida, saindo de trás de tendas rasgadas. A voz do
ex-detetive Roger. — Me desculpe... eu lamento por isso. Acho que estou
realmente enferrujado.
O
velho detetive é posto de joelhos, mãos para trás, visivelmente abatido. O
pesar em sua voz é palpável, a ponto de nem mesmo erguer os olhos na direção do
aliado. Ao seu lado e de pé, a mulher de manto cerimonial e capuz que até há
pouco guardava a Claire, agora com a mesma arma apontada, só que dessa vez para
outro refém. O Golem para. Ele imaginava que o fim da comunicação com Roger um
pouco após sua entrada na igreja teria se dado por falhas, não pela captura
dele. Roger, a única pessoa com quem já dividiu uma parte do seu fardo, que
mesmo em meio a uma teia de mentiras, sabe mais da sua verdade que qualquer
outra pessoa viva.
— Seu Padre está morto. Eu o matei. —
Ele estende a pistola em direção a encapuzada, escondendo a garota atrás de si.
— Acha que pode fazer o que ele não pôde?
Acha que pode ameaçar o Golem?
—
Quem sabe eu possa... — Ela fala, enquanto abaixa o capuz com a mão livre. — ...
Paul Davis.
O
Golem hesita. Por um momento, toda a dor volta. Não a dor física... a dor na
alma.
— ...
Kellen? — Paul diz, como quem pergunta em sussurro.
Kellen
Davis, a esposa desaparecida. Kellen Davis, a esposa morta. Kellen Davis, a
ex-esposa vampira. Fazem mais de dois anos desde que ele a viu pela última vez,
desde que sua vida esteve nas mãos dela, desde que ela o mandou jamais procurá-la
novamente. Todo esse tempo, tempo que Paul levou para se tornar o que é, um
assassino bem treinado e equipado, capaz de matar tanto caçadores do
sobrenatural quanto a própria caça. O tempo necessário para se tornar o Golem. Mas para que?, ele se pergunta.
— Para
que tudo isso, hein, Paul? Todo esse teatro de máscaras, essa coisa de “Golem”?
— Ela pergunta, seus cabelos negros mais cumpridos que antes, seus olhos
profundos parecendo sugar a alma do homem que ainda a ama. — E a música, Paul?
Nossa música, e você a transformou em um hino fúnebre para seus assassinatos.
Roger
está decepcionado demais consigo para compreender todos os detalhes que
envolvem esse momento, ainda assim não deixa de associar o que está sendo dito
ao passado do professor. A constatar que é dessa mulher que ele falava. Isso
apenas o faz lamentar ainda mais ter fracassado, e orar em silêncio para que
seja feita a vontade de Deus. Mandy olha confusa e curiosa para a vampira, torcendo
para que o mascarado não mude de ideia de repente e a troque pelo outro refém,
embora sinta pena dele.
Paul
não consegue dizer nada, não consegue fazer nada, nada além de manter a arma
apontada para a mulher da sua vida. Ele sente o mar de tristeza em que tem
nadado tentando afogá-lo... já começa a sentir os olhares curiosos dos
espíritos que o atormentam obcecados pelo desfecho da sua história. Desejosos
por sua alma.
—
Você perverteu o que tínhamos, estragou aquilo que eu fiz de tudo para deixar
intacto. Nosso amor, nossa história. Eu morri, Paul, mas queria que você
vivesse. — Uma lágrima rubra molha o rosto da vampira. — Agora... agora você se
meteu em algo que nem mesmo compreende.
Ela
olha para Roger, que a encara com firmeza. Depois olha para o Golem.
—
Lamento, Paul. Mas isso não pode ficar assim. Não posso e nem quero matá-lo... mas
ainda posso fazer com que sofra. — E atira.
O
corpo do velho Roger tomba, fazendo mais uma vez a terra beber sangue nessa
noite trágica.
Paul
contempla o cadáver do seu parceiro, do homem que ele esperava um dia chamar de
amigo. Do homem que acreditava nele. Morto...e por sua culpa. Ele mantêm a arma
apontada para a vampira apenas por manter, pois todos ali, inclusive ele mesmo,
sabem que não tem coragem de apertar o gatilho. Kellen Davis dá as costas ao
homem da máscara, deixando para trás uma casca vazia, um morto que anda.
O
Golem finalmente cumpre a missão, mas a um preço que não esperava ter que pagar.
[...]
O
grande lobo branco arromba as portas laterais para enfim adentrar a igreja. Lugar
onde acredita, encontrará a Mandy. Ele ouve quando Malcon grita seu nome, seu
pelo se eriçando em resposta. Ainda sente o gosto amargo do sangue que tinge de
carmesim seu corpo alvo, enquanto tenta ignorar o que acaba de fazer a matilha.
Eles mereceram, ele repete a si mesmo...e
quase acredita.
Ao
entrar naquele lugar escuro, ele, que não pode se guiar totalmente pela visão,
busca respostas pelo faro. Cheiros, muitos cheiros. De corpos já drenados há
dias. De corpos que morreram hoje. De morcegos caídos ao redor de um vampiro
com metade do crânio estourado. Cheiros de um sujeito ferido... provavelmente
humano. E o mais importante: o cheiro dela. O cheiro da Mandy.
—
Mandy!!! — Ele grita, alto e repetidamente, enquanto vasculha o interior do
templo. Quase em desespero, tomado pelo medo de a encontrar morta. Ou
simplesmente não encontrá-la.
Então
ele encontra. Não a garota, mas o homem querendo vingança.
O
grande lobo negro nunca pareceu tão grande e assustador quanto agora. De corpo
ereto, com saliva escorrendo pela boca, ele encara Andy Valentine, o garoto. O
jovem que não quis se unir a sua matilha. O sujeito que matou Jeff, que matou
Evelyn, que matou Peg... que matou seu filho. Não há mais lugar para palavras
entre eles.
Malcon
avança como uma locomotiva desgovernada, derrubando tudo que encontra pelo
caminho. Andy firma bem os pés no chão, aguardando, esperando para pará-lo... inutilmente.
O lobo branco é jogado com violência contra os bancos da igreja, agarrado pelo Malcon,
que aproveita para encravar suas presas com força no ombro do garoto. Andy suporta
uma dor lancinante enquanto sente pedaços de madeira quebrada cortando suas
costas. Ele tenta reagir, mais a força do seu atacante é superior, e ele não
lhe dá tempo para fazer nada que não envolva rilhar os dentes e tentar afastar
as presas que se encravam cada vez mais fundo na própria carne. Malcon inicia uma
sucessão de mordidas ferozes, cada uma capaz de matar um homem comum, cada uma
arrancando grandes tiras de carne dos ombros, braços e peito de um inimigo
subjugado.
O
garoto é empurrado de uma lado para o outro, enquanto sente estar sendo
devorado aos poucos, como a carcaça de uma presa abatida. Em meio ao turbilhão, Andy consegue enfim posicionar
suas pernas (a parte de seu corpo menos afetada no momento) contra o corpo do
seu atacante, e com grande esforço arremessá-lo para longe de si. Malcon bate
contra a parede do templo, derrubando sobre si alguns dos corpos bizarramente
presos, mas não parecendo nem um pouco afetado. Com carne exposta, e metade do
pelo tingido de sangue de origens variadas (e cada vez mais de si próprio), Andy
corre para longe do lobo negro, em direção ao cheiro da Mandy. Só não esperava
dar de cara com o vampiro moribundo arrastando-se a sua frente.
— Você veio... por ela? — Ele fala com
dificuldade, o rombo em seu crânio afetando seus sentidos. — É tarde...
criança. Um... um ladrão a levou.
Andy
percebe a lenta aproximação do Malcon, já recomposto. Percebe o cheiro do outro
que pode ter levado a Mandy, mas precisa de respostas:
— O
que!? Que merda você tá dizendo? Quem
levou ela!? — Ele grita, tentando intimidar o vampiro agora sentado no
chão.
— Não
gostei... da falta de modos. — O Padre diz, enquanto ergue uma mão trêmula em
direção a um Andy furioso. — Agora, de
joelhos... já!
A voz
é poderosa, o bastante para fazer os joelhos do lobo se curvarem. Ele luta
internamente, levando as mãos à cabeça, tentando resistir ao comando do mestre
vampiro. Em um momento, Malcon está atrás dele. De pé, garras abertas, pronto
para fechar suas presas no pescoço do monstro, dessa vez para arrancar a cabeça
de sobre o corpo.
— Isso
é pelo meu filho, seu filho da puta. — Fala Malcon, enquanto desce em fúria
sobre o garoto.
Foi por
um segundo. Uma lembrança esquecida que voltou a mente de um lobo derrotado.
Uma imagem, uma voz, uma sensação. Foi há muito tempo, quando ele era uma
criança correndo até a mãe. Machucado, triste e inseguro.
—
Quando eles baterem, filho. — Disse a mãe, olhando fundo nos olhos do menino,
sorriso no rosto. — Você bate de volta. E
bate mais forte.
Um
momento, e ele estava de volta, desviando de uma mordida fatal. Em um giro, ele
acerta as garras na face do Malcon, uma, duas, várias vezes! Cortes terríveis que
deixam o lobo negro temporariamente cego e atordoado, que o fazem apoiar-se em
uma das pernas enquanto suporta a aflição. Não só da dor, mas da vergonha de
ser pego por um garoto inexperiente. Andy sabe que ele não vai demorar a se
curar, e que mesmo cego, um cara como ele pode lutar muito bem a curta
distância só se guiando pelo cheiro. Então não é hora de insistir na luta. O
vampiro apenas assiste, admirando a força de vontade do lobisomem diante de si,
saboreando seu potencial, imaginando o poder de seu sangue.
— O
nome é Golem... e ele não está
longe. — O Padre diz, não por medo, mas como um prêmio aos esforços do garoto.
Andy
aproveita a oportunidade para correr em direção ao cheiro que estava
perseguindo. O cheiro da Mandy...e do Golem.
[...]
A
garota observa a tudo, mas sem realmente ver. Seus sentidos não são mais
seus... seus desejos estão sob o poder de um outro alguém. Nada disso faz
sentido, e ela se sente como se estivesse em um sonho... dentro de um sono
profundo. Em breve acordará, as vozes, as imagens desconexas e o sangue terão
ido embora, dando lugar a realidade pura e simples da vida comum. Então, ela voltará
a ser ela mesma. Voltará a ser Claire Winnicott, e se sentirá novamente segura.
Mas é realmente segurança que você
deseja?, pergunta uma voz em seu coração. Uma voz antiga, familiar. O que você
realmente quer, Claire?
— Adam... — Claire sussurra, e apenas Tom
pode ouvir.
Em
meio aquele sonho febril, das imagens e sons que sua mente resiste em aceitar
como reais, que ela mascara, ofusca, sublima... apenas uma imagem e um nome são
nítidos e claros: Adam Tepes. Seu
rosto, sua voz, sua presença. Claire pode senti-lo, e ignorando as feridas que
ele já lhe causou, ignorando qualquer julgamento racional sobre essa relação de
dependência, ela o deseja com todas as forças.
Eu quero estar com ele, ela diz para si
mesma, ele me faz sentir segura, mesmo em meio ao inferno! Ele me faz ser eu
mesma, me sentir completa. E isso já basta.
Lágrimas
descem daqueles belos olhos verdes, lágrimas de aceitação de um sentimento
contra o qual a garota vem lutando. Tom enxuga uma das lágrimas.
Curioso...pensativo. Sentindo algo de muito estranho emanar da garota. E então Claire abre os olhos. Acordada.
Liberta. Ela enxerga, pela primeira vez ela vê o que seu amado realmente é. A
aura sombria, as presas, a espada, o sangue. A imponência do homem aliada a
presença do predador. O suficiente para que perca o ar.
— Adam, então você realmente é... —
Claire sussurra consigo mesma, fazendo Tom pressionar mais a lâmina contra seu
pescoço.
—
Aconselho a ficar quietinha, Claire. Não queremos perder a cabeça, não é mesmo?
Adam
não tem tempo de perceber tais detalhes, sua luta ainda não terminou. Agora já sem
o braço da espada, e com sangue jorrando de toda a parte, o francês persiste na
luta. Adam está ficando cansado, e com ferimentos que se acumulam. É
surpreendente que tenha encontrado um vampiro capaz de resistir ao seu poder
total, e mesmo que esteja em vantagem, não entende o motivo dele prosseguir
arriscando o pescoço quando pode simplesmente exigir que Adam dê seu sangue
para o ritual. Pela Claire, ele é capaz de qualquer coisa, de pagar qualquer
preço...mesmo que isso exija o retorno dele.
René bloqueia
com dificuldade o chute do adversário, que ainda assim tem força para lançá-lo
a muitos metros de distância. Antes que tenha tempo de se recompor, é obrigado
a desviar de uma sequência de estocadas do inimigo, falhando em ao menos metade
das tentativas. Por fim ele encontra uma oportunidade e recua, pegando a espada
caída com o braço ainda operante.
—
Vejo que não curou seu braço ainda, o que significa que não tem mais forças
para repetir seu truque. — Adam esmaga com o pé o braço largado, enquanto
aponta a espada em direção ao adversário ainda mais ensanguentado que antes. —
Escute meu conselho, desista agora e serei piedoso. Não é tarde demais.
René
apenas o observa, balançando a cabeça e com um sorriso de canto de boca.
— ...
ainda não, ainda temos tempo. Vamos aproveitá-lo.
Você vê, Claire, o que ele é realmente?
Consegue enxergar para além da máscara, a beleza e o terror que esse homem
representa? Uma voz pergunta, uma voz que é como a sua, mas não é.
Não me importa o que ele é, nem o que
faz. Eu o amo! Não escolhi isso, não escolhi amá-lo. Você sabe, você sou eu!
Ela sente
uma paz profunda, um sentimento que aquece seu coração, que a faz querer
ajudá-lo.
Sim, Claire, eu sou você. Ou melhor: eu
fui você...você foi eu, há muito, muito tempo atrás. Você foi feliz com ele,
você o amou com todas as forças...e ai você morreu. Nós morremos. Mas ele
ficou, dormiu e voltou por nós! Então Claire, minha outra eu, eu preciso que
você me ajude agora. Adam precisa. Você pode fazer isso?
Os
dois vampiros chocam suas lâminas mais uma vez! René ataca outra e outra vez,
exibindo cada vez mais ferimentos abertos ou mal cicatrizados. A cada movimento
brusco de ataque, bloqueio ou desvio, uma ferida reabre, o que é muito pior
quando ele é realmente acertado.
— Já
basta, irmão. — A voz vem da Kellen, carregando nos ombros o Padre, terrivelmente
ferido. — Pode enfim descansar.
Adam
observa o obstinado adversário finalmente ceder, como se estivesse aguardando
por essa permissão durante todo o tempo. Ele se deixa cair no chão, enquanto
sorri para um Adam Tepes desconfiado. A garota ruiva continua observando a tudo
escondida, se mantendo distante dos riscos, mas cada hora mais fascinada pela
figura do jovem vampiro. Kellen ajuda o sacerdote vampiro a se colocar de
joelhos, enquanto o mesmo recebe dela sua cimitarra dourada, com a qual corta
as palmas das mãos.
—
Chega dessas brincadeiras, me entregue a Claire, é hora de dar um fim a isso! —
Adam diz, estendendo o próprio braço à frente do corpo e colocando a lâmina da
espada sobre ele. — Se é meu sangue que querem, eu o entrego!
O vampiro sequer olha para ele, enquanto encosta as mãos no chão
e profere frases em uma língua morta. Após isso, o sangue das mãos dele começa
a fluir sobrenaturalmente pelas frestas do piso.
— Seu sangue? Que ingênuo! — Zomba René, ainda caído. — Seu
sangue já foi oferecido há muito tempo, você só não se deu conta disso.
Então Adam se dá conta dos próprios ferimentos, dos dele, e de
todos os outros. Um verdadeiro rio de
sangue. Um rio que agora flui, lenta e continuamente em direção ao túmulo
do homem à quem chamaram “Filho do Dragão”: o Drácula. O Padre então encerra
seu mantra, enquanto ergue os olhos em direção a um vampiro com ódio no olhar,
dizendo:
— Tudo o que é exigido, é hoje entregue. Seu sangue, o sangue do
filho, herdeiro e executor. O sangue de um vampiro antigo. — Apontando para
René. — É bem verdade que circunstâncias incomuns impediram que oferecêssemos o
sangue de uma loba ainda pura. Porém, o destino ofereceu em troca o sangue de
um lobo raro e de grande poder...e ele é suficiente.
Adam olha para o túmulo com temor, olha para um Claire
estranhamente diferente de antes... e então para o líder da seita vampírica.
— Se já tem o que precisa, não sou mais necessário, e nem ela. —
E aponta para Claire. — Deixem-me levá-la, e podem fazer o que quiserem. Se se
negarem...eu mato todos vocês!
Sua aura emana intensa, cheia de ódio e terror.
— Ora, quase esqueço de dizer. É verdade que falta ainda algo a
ser oferecido. — O Padre olha então para o pequeno vampiro. — A vida de uma
virgem.
É com um medo crescente que Adam vira na direção do pequeno
vampiro, rápido, mas não o bastante. O garoto que já tinha a lâmina no pescoço
da frágil humana, precisava apenas de um simples e rápido movimento para ceifar
sua vida. Pressentindo seu fracasso, Adam tenta um último recurso.
— Pare! — A
voz do vampiro sai imbuída de autoridade. Um poder capaz de dominar uma mente
menos poderosa como a da criança. —
Afaste-se dela e largue a adaga. Você não quer fazer isso...ela é importante,
você não pode fazer isso.
Tom hesita. A voz do
vampiro Adam é uma ordem que não pode ser desobedecida, por mais difícil que
seja contrariar o Padre.
— Thomas, minha criança, faça o que ordenei.
— Dessa vez é a voz do Padre. Calma, baixa, reassumindo um controle natural de
quem não só é o líder, mas também o criador do pequeno vampiro.
Adam percebe que perdeu, mas antes que se aproxime dos dois, é
detido pela lâmina de René, que faz um ataque certeiro em sua perna. O vampiro
grita, não pela dor ... mas por falhar. Mas quando a morte dela parecia um
fato, algo inesperado acontece: A
própria Claire detêm a lâmina!
Você pode fazer isso, Claire? Me deixará fazer o que ele precisa e que você
não tem força para fazer? Somente por hoje, ao menos essa única vez? Por amor a
ele?
Em um movimento rápido, a lâmina do vampiro não só é bloqueada,
como é retirada dele! Tom olha surpreso enquanto sua adaga é usada para atingir
em cheio seu crânio. Ele cai no chão, temporariamente fora de ação. Todos olham
estupefatos enquanto a garota de olhos verdes e cabelos loiros se ergue, com
olhar seguro e confiante.
— Acho que precisa de mim essa noite, meu amor. — Diz Claire, ou
melhor, Marie Winnicott. — Temos monstros para sepultar.
— Marie... — ele diz. E
sorri, como não fazia há muito tempo.
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