sexta-feira, 15 de abril de 2016

Capítulo 22 - Os Laços que nos Unem



René avança.

Agora com a espada em uma mão e uma adaga na outra, utilizando todo conhecimento marcial acumulado em seus séculos de existência.

— Desista. A essa hora já devia ter percebido que não é um adversário digno. — Adam diz, após desviar de um ataque giratório e desferir um corte que pega da parte superior do tronco até o rosto do adversário.

René perde o equilíbrio e cai no chão. Sangue flui farto de seu olho e lábio esquerdos, agora cortados, encharcando sua blusa rasgada e o que restou de seu terno. Adam observa a vampira, sempre atenta aos seus movimentos, enquanto mantém Claire sob a mira de uma arma e de presas semi-encravadas. O obstinado vampiro se ergue novamente, apoiando-se na espada, com sua pele aos poucos regenerando todo dano sofrido.  

Pardon, mas é difícil para mim parar quando estou no auge da diversão. — Ao dizer isso, o vampiro começa a emanar uma aura ainda mais intensa.

É visível para Adam que o vampiro não só usa o sangue para regenerar seu corpo, como para ampliar seus atributos físicos, o deixando mais poderoso que antes. Algo que deseja encerrar. Assumindo a forma de um enxame, o filho do Drácula parte para cima de seu adversário, com o som de centenas de pequenos demônios alados confundindo seus sentidos, para em um último momento assumir sua forma real, desferindo um golpe capaz de decapitá-lo!

E é ai que tudo acontece, e em um piscar de olhos.


A lâmina de Adam arranca sangue do seu alvo em um movimento para o qual o francês não estaria preparado...não fosse o poder de seu dom recém manifesto. Em uma velocidade de reação espantosa, o vampiro de pele negra sai da mira de seu inimigo, apenas à um instante da completa decapitação! Ao mesmo tempo em que testemunha seu inimigo desviar por um triz, ele mesmo é atingido em cheio pela adaga arremessada, que fere seu olho direito. Simultaneamente, Adam se vê forçado a bloquear uma estaca que por pouco não perfura em cheio seu coração! O ataque com estaca vem do pequeno vampiro Tom, a criança loira, que aproveitando a concentração de Adam em René, tenta um golpe rápido e letal. Saindo das sombras ele surge do alto, tentando apunhalar seu algoz. Infelizmente para ele, Adam consegue bloquear e partir a estaca já parcialmente encravada, se afastando de ambos os inimigos.

É com a pele e osso do pescoço setenta porcento cortados, que René Chermont escapa do seu fim. Com o braço regenerado firmando a cabeça no lugar, enquanto observa a criança vampira pousar no chão, após uma tentativa frustrada de dar fim a luta.

— Desculpem velhotes, prometo não interferir mais na briguinha de vocês, é que não resisti quando ouvi a voz da oportunidade cantando meu nome. — Zomba o pequeno vampiro, enquanto saca das costas outra adaga, e caminha em direção a vampira que mantêm Claire como refém.

Adam ficou bastante surpreso com a capacidade do garoto de enganar seus instintos. Um mínimo descuido, e ele teria morrido para uma criança! Inaceitável, ele pensa.

— O que faz aqui embaixo, garoto? Para além de me aborrecer? — Pergunta René, com o pescoço já quase totalmente restaurado.

Tom sussurra algo para a vampira, que após esboçar uma expressão tensa, troca de lugar com ele, olhando uma última vez para o espetáculo antes de sair por um caminho que Adam desconhece. Após colocar a Claire de joelhos, e com o pescoço dela na ponta da sua adaga, Thomas responde:

— Eu sou o garoto de recados, então só vim avisar: problemas. Problemas lá fora e aqui dentro. Problemas com os garotos e até com a matilha. — O rosto angelical assume um sorriso sádico. — Parece que o Tepes trouxe amiguinhos, um deles está lutando com o Padre agora mesmo.  


[...]


A garota o encara com ar assustado. Ela sempre foi corajosa, mas despertar nua e algemada dentro de uma igreja sinistra, cercada por cadáveres de gente e morcegos, e com um mascarado de preto olhando para si, não é algo para o qual ela estava preparada. Com o corpo fraco ela se levanta, os braceletes de prata unidos por correntes que dificultam cada passo, isso fora sua função principal: impedir que ela se transforme. O contato direto da prata sobre suas mãos, tornozelos e pescoço, deixam a garota se sentindo totalmente indefesa...isso fora a dor. Prata queima, incomoda e enfraquece.

Mandy se segura numa grossa cortina de cor vinho, que depois puxa com toda força que tem. Um pedaço do tecido se parte... e ela se cobre com ele. Então ouve o som, primeiro de algo acertando o teto, depois do pouso do mascarado encouraçado perto dela. Paul está ofegante, ultrapassou seus limites na luta, e agora paga o preço. Sente diferentes dores por todo corpo, e quando desce do arpão na parte superior da igreja, sua vontade é ficar por lá mesmo. Obviamente, sabe que tem que sair de lá o mais rápido possível...e com a garota.

— Mandy Duncan. Venha comigo, vou levá-la ao seu irmão. — Ele diz.

A garota o encara por um tempo, assim como ao corpo do Padre, uma de suas últimas lembranças conscientes envolvia o vampiro.

— Você não cheira como eles. — Som dela fungando, já mais confiante. — Você também não é como eu, ou não ia usar um treco desse. Você é o Golem, tô certa?

Paul passa pela garota, buscando um caminho mais rápido, seguro e silencioso para fora da igreja até seu carro.

— Até que não é burra... para uma cachorra. — Conclui.

A vontade da garota é jogá-lo lá embaixo...pensamento que estranhamente lhe traz uma sensação de déjà vu. Após engolir a raiva, e muito devido ao cansaço, ela pede:

— Quebra essas algemas, e eu deixo de ser um fardo. — Ela estende os braços algemados. — Eu posso ser útil, cara, é só conseguir mudar de forma.

— Não, prefiro assim. Cães devem ficar na coleira. — Após dizer isso, ele a puxa pela corrente, e usando o arpão, atravessa a janela para o lado de fora junto dela.

Mal alcançam o lado exterior do templo, ouvem o som de um impacto contra as portas laterais da estrutura. A Mandy não tinha como saber, mas se tratava do Andy entrando na igreja. O Golem desce com a jovem licantropo, mal suportando o peso de ambos. A distância dessa área até os muros não é longa, e sem qualquer sinal de outros inimigos, parece que a missão chegou ao seu fim. Ou ao menos era isso que Paul desejava. Mas ele estava errado.

— Golem! — O grito vem de uma voz conhecida, saindo de trás de tendas rasgadas. A voz do ex-detetive Roger. — Me desculpe... eu lamento por isso. Acho que estou realmente enferrujado.

O velho detetive é posto de joelhos, mãos para trás, visivelmente abatido. O pesar em sua voz é palpável, a ponto de nem mesmo erguer os olhos na direção do aliado. Ao seu lado e de pé, a mulher de manto cerimonial e capuz que até há pouco guardava a Claire, agora com a mesma arma apontada, só que dessa vez para outro refém. O Golem para. Ele imaginava que o fim da comunicação com Roger um pouco após sua entrada na igreja teria se dado por falhas, não pela captura dele. Roger, a única pessoa com quem já dividiu uma parte do seu fardo, que mesmo em meio a uma teia de mentiras, sabe mais da sua verdade que qualquer outra pessoa viva.

— Seu Padre está morto. Eu o matei. — Ele estende a pistola em direção a encapuzada, escondendo a garota atrás de si. — Acha que pode fazer o que ele não pôde? Acha que pode ameaçar o Golem?

— Quem sabe eu possa... — Ela fala, enquanto abaixa o capuz com a mão livre. — ... Paul Davis.

O Golem hesita. Por um momento, toda a dor volta. Não a dor física... a dor na alma.

— ... Kellen? — Paul diz, como quem pergunta em sussurro.

Kellen Davis, a esposa desaparecida. Kellen Davis, a esposa morta. Kellen Davis, a ex-esposa vampira. Fazem mais de dois anos desde que ele a viu pela última vez, desde que sua vida esteve nas mãos dela, desde que ela o mandou jamais procurá-la novamente. Todo esse tempo, tempo que Paul levou para se tornar o que é, um assassino bem treinado e equipado, capaz de matar tanto caçadores do sobrenatural quanto a própria caça. O tempo necessário para se tornar o Golem. Mas para que?, ele se pergunta.

— Para que tudo isso, hein, Paul? Todo esse teatro de máscaras, essa coisa de “Golem”? — Ela pergunta, seus cabelos negros mais cumpridos que antes, seus olhos profundos parecendo sugar a alma do homem que ainda a ama. — E a música, Paul? Nossa música, e você a transformou em um hino fúnebre para seus assassinatos. 

Roger está decepcionado demais consigo para compreender todos os detalhes que envolvem esse momento, ainda assim não deixa de associar o que está sendo dito ao passado do professor. A constatar que é dessa mulher que ele falava. Isso apenas o faz lamentar ainda mais ter fracassado, e orar em silêncio para que seja feita a vontade de Deus. Mandy olha confusa e curiosa para a vampira, torcendo para que o mascarado não mude de ideia de repente e a troque pelo outro refém, embora sinta pena dele.

Paul não consegue dizer nada, não consegue fazer nada, nada além de manter a arma apontada para a mulher da sua vida. Ele sente o mar de tristeza em que tem nadado tentando afogá-lo... já começa a sentir os olhares curiosos dos espíritos que o atormentam obcecados pelo desfecho da sua história. Desejosos por sua alma.

— Você perverteu o que tínhamos, estragou aquilo que eu fiz de tudo para deixar intacto. Nosso amor, nossa história. Eu morri, Paul, mas queria que você vivesse. — Uma lágrima rubra molha o rosto da vampira. — Agora... agora você se meteu em algo que nem mesmo compreende.

Ela olha para Roger, que a encara com firmeza. Depois olha para o Golem.

— Lamento, Paul. Mas isso não pode ficar assim. Não posso e nem quero matá-lo... mas ainda posso fazer com que sofra. — E atira.

O corpo do velho Roger tomba, fazendo mais uma vez a terra beber sangue nessa noite trágica.

Paul contempla o cadáver do seu parceiro, do homem que ele esperava um dia chamar de amigo. Do homem que acreditava nele. Morto...e por sua culpa. Ele mantêm a arma apontada para a vampira apenas por manter, pois todos ali, inclusive ele mesmo, sabem que não tem coragem de apertar o gatilho. Kellen Davis dá as costas ao homem da máscara, deixando para trás uma casca vazia, um morto que anda.

O Golem finalmente cumpre a missão, mas a um preço que não esperava ter que pagar.

[...]


O grande lobo branco arromba as portas laterais para enfim adentrar a igreja. Lugar onde acredita, encontrará a Mandy. Ele ouve quando Malcon grita seu nome, seu pelo se eriçando em resposta. Ainda sente o gosto amargo do sangue que tinge de carmesim seu corpo alvo, enquanto tenta ignorar o que acaba de fazer a matilha.

Eles mereceram, ele repete a si mesmo...e quase acredita.

Ao entrar naquele lugar escuro, ele, que não pode se guiar totalmente pela visão, busca respostas pelo faro. Cheiros, muitos cheiros. De corpos já drenados há dias. De corpos que morreram hoje. De morcegos caídos ao redor de um vampiro com metade do crânio estourado. Cheiros de um sujeito ferido... provavelmente humano. E o mais importante: o cheiro dela. O cheiro da Mandy.

— Mandy!!! — Ele grita, alto e repetidamente, enquanto vasculha o interior do templo. Quase em desespero, tomado pelo medo de a encontrar morta. Ou simplesmente não encontrá-la.

Então ele encontra. Não a garota, mas o homem querendo vingança.

O grande lobo negro nunca pareceu tão grande e assustador quanto agora. De corpo ereto, com saliva escorrendo pela boca, ele encara Andy Valentine, o garoto. O jovem que não quis se unir a sua matilha. O sujeito que matou Jeff, que matou Evelyn, que matou Peg... que matou seu filho. Não há mais lugar para palavras entre eles.

Malcon avança como uma locomotiva desgovernada, derrubando tudo que encontra pelo caminho. Andy firma bem os pés no chão, aguardando, esperando para pará-lo... inutilmente. O lobo branco é jogado com violência contra os bancos da igreja, agarrado pelo Malcon, que aproveita para encravar suas presas com força no ombro do garoto. Andy suporta uma dor lancinante enquanto sente pedaços de madeira quebrada cortando suas costas. Ele tenta reagir, mais a força do seu atacante é superior, e ele não lhe dá tempo para fazer nada que não envolva rilhar os dentes e tentar afastar as presas que se encravam cada vez mais fundo na própria carne. Malcon inicia uma sucessão de mordidas ferozes, cada uma capaz de matar um homem comum, cada uma arrancando grandes tiras de carne dos ombros, braços e peito de um inimigo subjugado.

O garoto é empurrado de uma lado para o outro, enquanto sente estar sendo devorado aos poucos, como a carcaça de uma presa abatida.  Em meio ao turbilhão, Andy consegue enfim posicionar suas pernas (a parte de seu corpo menos afetada no momento) contra o corpo do seu atacante, e com grande esforço arremessá-lo para longe de si. Malcon bate contra a parede do templo, derrubando sobre si alguns dos corpos bizarramente presos, mas não parecendo nem um pouco afetado. Com carne exposta, e metade do pelo tingido de sangue de origens variadas (e cada vez mais de si próprio), Andy corre para longe do lobo negro, em direção ao cheiro da Mandy. Só não esperava dar de cara com o vampiro moribundo arrastando-se a sua frente.

— Você veio... por ela? — Ele fala com dificuldade, o rombo em seu crânio afetando seus sentidos. — É tarde... criança. Um... um ladrão a levou.

Andy percebe a lenta aproximação do Malcon, já recomposto. Percebe o cheiro do outro que pode ter levado a Mandy, mas precisa de respostas:

— O que!? Que merda você tá dizendo? Quem levou ela!? — Ele grita, tentando intimidar o vampiro agora sentado no chão.

— Não gostei... da falta de modos. — O Padre diz, enquanto ergue uma mão trêmula em direção a um Andy furioso. — Agora, de joelhos... já!

A voz é poderosa, o bastante para fazer os joelhos do lobo se curvarem. Ele luta internamente, levando as mãos à cabeça, tentando resistir ao comando do mestre vampiro. Em um momento, Malcon está atrás dele. De pé, garras abertas, pronto para fechar suas presas no pescoço do monstro, dessa vez para arrancar a cabeça de sobre o corpo.

— Isso é pelo meu filho, seu filho da puta. — Fala Malcon, enquanto desce em fúria sobre o garoto.

Foi por um segundo. Uma lembrança esquecida que voltou a mente de um lobo derrotado. Uma imagem, uma voz, uma sensação. Foi há muito tempo, quando ele era uma criança correndo até a mãe. Machucado, triste e inseguro.

— Quando eles baterem, filho. — Disse a mãe, olhando fundo nos olhos do menino, sorriso no rosto. — Você bate de volta. E bate mais forte.

Um momento, e ele estava de volta, desviando de uma mordida fatal. Em um giro, ele acerta as garras na face do Malcon, uma, duas, várias vezes! Cortes terríveis que deixam o lobo negro temporariamente cego e atordoado, que o fazem apoiar-se em uma das pernas enquanto suporta a aflição. Não só da dor, mas da vergonha de ser pego por um garoto inexperiente. Andy sabe que ele não vai demorar a se curar, e que mesmo cego, um cara como ele pode lutar muito bem a curta distância só se guiando pelo cheiro. Então não é hora de insistir na luta. O vampiro apenas assiste, admirando a força de vontade do lobisomem diante de si, saboreando seu potencial, imaginando o poder de seu sangue.

— O nome é Golem... e ele não está longe. — O Padre diz, não por medo, mas como um prêmio aos esforços do garoto.

Andy aproveita a oportunidade para correr em direção ao cheiro que estava perseguindo. O cheiro da Mandy...e do Golem.


[...]


A garota observa a tudo, mas sem realmente ver. Seus sentidos não são mais seus... seus desejos estão sob o poder de um outro alguém. Nada disso faz sentido, e ela se sente como se estivesse em um sonho... dentro de um sono profundo. Em breve acordará, as vozes, as imagens desconexas e o sangue terão ido embora, dando lugar a realidade pura e simples da vida comum. Então, ela voltará a ser ela mesma. Voltará a ser Claire Winnicott, e se sentirá novamente segura.

Mas é realmente segurança que você deseja?, pergunta uma voz em seu coração. Uma voz antiga, familiar. O que você realmente quer, Claire?

Adam... — Claire sussurra, e apenas Tom pode ouvir.

Em meio aquele sonho febril, das imagens e sons que sua mente resiste em aceitar como reais, que ela mascara, ofusca, sublima... apenas uma imagem e um nome são nítidos e claros: Adam Tepes. Seu rosto, sua voz, sua presença. Claire pode senti-lo, e ignorando as feridas que ele já lhe causou, ignorando qualquer julgamento racional sobre essa relação de dependência, ela o deseja com todas as forças.

Eu quero estar com ele, ela diz para si mesma, ele me faz sentir segura, mesmo em meio ao inferno! Ele me faz ser eu mesma, me sentir completa. E isso já basta.

Lágrimas descem daqueles belos olhos verdes, lágrimas de aceitação de um sentimento contra o qual a garota vem lutando. Tom enxuga uma das lágrimas. Curioso...pensativo. Sentindo algo de muito estranho emanar da garota. E então Claire abre os olhos. Acordada. Liberta. Ela enxerga, pela primeira vez ela vê o que seu amado realmente é. A aura sombria, as presas, a espada, o sangue. A imponência do homem aliada a presença do predador. O suficiente para que perca o ar.

— Adam, então você realmente é... — Claire sussurra consigo mesma, fazendo Tom pressionar mais a lâmina contra seu pescoço.

— Aconselho a ficar quietinha, Claire. Não queremos perder a cabeça, não é mesmo?

Adam não tem tempo de perceber tais detalhes, sua luta ainda não terminou. Agora já sem o braço da espada, e com sangue jorrando de toda a parte, o francês persiste na luta. Adam está ficando cansado, e com ferimentos que se acumulam. É surpreendente que tenha encontrado um vampiro capaz de resistir ao seu poder total, e mesmo que esteja em vantagem, não entende o motivo dele prosseguir arriscando o pescoço quando pode simplesmente exigir que Adam dê seu sangue para o ritual. Pela Claire, ele é capaz de qualquer coisa, de pagar qualquer preço...mesmo que isso exija o retorno dele.

René bloqueia com dificuldade o chute do adversário, que ainda assim tem força para lançá-lo a muitos metros de distância. Antes que tenha tempo de se recompor, é obrigado a desviar de uma sequência de estocadas do inimigo, falhando em ao menos metade das tentativas. Por fim ele encontra uma oportunidade e recua, pegando a espada caída com o braço ainda operante.

— Vejo que não curou seu braço ainda, o que significa que não tem mais forças para repetir seu truque. — Adam esmaga com o pé o braço largado, enquanto aponta a espada em direção ao adversário ainda mais ensanguentado que antes. — Escute meu conselho, desista agora e serei piedoso. Não é tarde demais.

René apenas o observa, balançando a cabeça e com um sorriso de canto de boca.

— ... ainda não, ainda temos tempo. Vamos aproveitá-lo.

Você vê, Claire, o que ele é realmente? Consegue enxergar para além da máscara, a beleza e o terror que esse homem representa? Uma voz pergunta, uma voz que é como a sua, mas não é.

Não me importa o que ele é, nem o que faz. Eu o amo! Não escolhi isso, não escolhi amá-lo. Você sabe, você sou eu!

Ela sente uma paz profunda, um sentimento que aquece seu coração, que a faz querer ajudá-lo.

Sim, Claire, eu sou você. Ou melhor: eu fui você...você foi eu, há muito, muito tempo atrás. Você foi feliz com ele, você o amou com todas as forças...e ai você morreu. Nós morremos. Mas ele ficou, dormiu e voltou por nós! Então Claire, minha outra eu, eu preciso que você me ajude agora. Adam precisa. Você pode fazer isso?

Os dois vampiros chocam suas lâminas mais uma vez! René ataca outra e outra vez, exibindo cada vez mais ferimentos abertos ou mal cicatrizados. A cada movimento brusco de ataque, bloqueio ou desvio, uma ferida reabre, o que é muito pior quando ele é realmente acertado.

— Já basta, irmão. — A voz vem da Kellen, carregando nos ombros o Padre, terrivelmente ferido. — Pode enfim descansar.    

Adam observa o obstinado adversário finalmente ceder, como se estivesse aguardando por essa permissão durante todo o tempo. Ele se deixa cair no chão, enquanto sorri para um Adam Tepes desconfiado. A garota ruiva continua observando a tudo escondida, se mantendo distante dos riscos, mas cada hora mais fascinada pela figura do jovem vampiro. Kellen ajuda o sacerdote vampiro a se colocar de joelhos, enquanto o mesmo recebe dela sua cimitarra dourada, com a qual corta as palmas das mãos.

— Chega dessas brincadeiras, me entregue a Claire, é hora de dar um fim a isso! — Adam diz, estendendo o próprio braço à frente do corpo e colocando a lâmina da espada sobre ele. — Se é meu sangue que querem, eu o entrego!

O vampiro sequer olha para ele, enquanto encosta as mãos no chão e profere frases em uma língua morta. Após isso, o sangue das mãos dele começa a fluir sobrenaturalmente pelas frestas do piso.

— Seu sangue? Que ingênuo! — Zomba René, ainda caído. — Seu sangue já foi oferecido há muito tempo, você só não se deu conta disso.

Então Adam se dá conta dos próprios ferimentos, dos dele, e de todos os outros. Um verdadeiro rio de sangue. Um rio que agora flui, lenta e continuamente em direção ao túmulo do homem à quem chamaram “Filho do Dragão”: o Drácula. O Padre então encerra seu mantra, enquanto ergue os olhos em direção a um vampiro com ódio no olhar, dizendo:

— Tudo o que é exigido, é hoje entregue. Seu sangue, o sangue do filho, herdeiro e executor. O sangue de um vampiro antigo. — Apontando para René. — É bem verdade que circunstâncias incomuns impediram que oferecêssemos o sangue de uma loba ainda pura. Porém, o destino ofereceu em troca o sangue de um lobo raro e de grande poder...e ele é suficiente.

Adam olha para o túmulo com temor, olha para um Claire estranhamente diferente de antes... e então para o líder da seita vampírica.

— Se já tem o que precisa, não sou mais necessário, e nem ela. — E aponta para Claire. — Deixem-me levá-la, e podem fazer o que quiserem. Se se negarem...eu mato todos vocês!

Sua aura emana intensa, cheia de ódio e terror.

— Ora, quase esqueço de dizer. É verdade que falta ainda algo a ser oferecido. — O Padre olha então para o pequeno vampiro. — A vida de uma virgem.

É com um medo crescente que Adam vira na direção do pequeno vampiro, rápido, mas não o bastante. O garoto que já tinha a lâmina no pescoço da frágil humana, precisava apenas de um simples e rápido movimento para ceifar sua vida. Pressentindo seu fracasso, Adam tenta um último recurso.

— Pare! — A voz do vampiro sai imbuída de autoridade. Um poder capaz de dominar uma mente menos poderosa como a da criança. — Afaste-se dela e largue a adaga. Você não quer fazer isso...ela é importante, você não pode fazer isso.  

Tom hesita. A voz do vampiro Adam é uma ordem que não pode ser desobedecida, por mais difícil que seja contrariar o Padre.

Thomas, minha criança, faça o que ordenei. — Dessa vez é a voz do Padre. Calma, baixa, reassumindo um controle natural de quem não só é o líder, mas também o criador do pequeno vampiro.

Adam percebe que perdeu, mas antes que se aproxime dos dois, é detido pela lâmina de René, que faz um ataque certeiro em sua perna. O vampiro grita, não pela dor ... mas por falhar. Mas quando a morte dela parecia um fato, algo inesperado acontece: A própria Claire detêm a lâmina!

Você pode fazer isso, Claire? Me deixará fazer o que ele precisa e que você não tem força para fazer? Somente por hoje, ao menos essa única vez? Por amor a ele?

Em um movimento rápido, a lâmina do vampiro não só é bloqueada, como é retirada dele! Tom olha surpreso enquanto sua adaga é usada para atingir em cheio seu crânio. Ele cai no chão, temporariamente fora de ação. Todos olham estupefatos enquanto a garota de olhos verdes e cabelos loiros se ergue, com olhar seguro e confiante.

— Acho que precisa de mim essa noite, meu amor. — Diz Claire, ou melhor, Marie Winnicott. — Temos monstros para sepultar.


Marie... — ele diz. E sorri, como não fazia há muito tempo.









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