O
Golem está dentro.
Do
alto da parte superior da velha igreja, em uma área interligada por colunas e
sacadas ornamentadas, o mascarado encontra seu alvo: Mandy Duncan. A
adolescente está nua, grossos braceletes de prata prendendo seus pulsos,
tornozelos e pescoço, de cabeça baixa e postura ereta e iluminada apenas pela
luz de velas, enquanto é banhada por um homem vestindo um manto escarlate. O
banho consiste em um jarro cheio de sangue sendo lenta e cerimonialmente
derramado sobre a cabeça da jovem, em um ritual profano. O homem tem cabelos
negros, pele muito branca e unhas proeminentes. Seu manto possui adereços
dourados, bordados em ouro e formando desenhos intrincados. O Padre, com certeza. Próximos aos
dois, quatro garotas portando armas, metade com lâminas, metade com fuzis,
formando um círculo em volta do religioso e seu sacrifício.
O
padre vampiro parece encerrar seu ritual, por um momento afastando-se da jovem
estática, que agora é vestida por uma das garotas. A chance que ele esperava. O Golem salta em direção a refém,
parando a meio metro do chão (seguro por um cabo com arpão), em seu movimento
de descida, quebrando o pescoço da inimiga mais próxima, para em seguida ser
puxado de volta pelo cabo enquanto pega a loba pela cintura. Tudo muito rápido,
para espanto dos presentes. Uma vez de volta ao alto e com seu prêmio, o Golem
ativa a música: sua melodia característica, vinda de gravadores posicionados em
diferentes trechos do caminho trilhado. O Padre apenas observa enquanto a dupla
de fuzil dispara na direção do invasor e a jovem de faca corre ao auxílio da
amiga moribunda.
Paul
utiliza as colunas e paredes como defesa, agachando e saltando, enquanto recolhe
o arpão e com a outra mão dispara na direção das jovens, em poucos instantes as
eliminando sem dificuldade. Então percebe que não vê mais o padre, apenas uma
garota largando a faca e correndo para longe dele. Após os tiros cessarem ele
se ergue, carregando uma jovem sem reação rumo ao lugar de onde veio e usando o
cabo para chegar ao outro lado do aposento em um só movimento. Só não esperava
que a igreja fosse do nada tomada por morcegos. Dezenas deles, vindos de todos
os lados, empurrando o mascarado e sua protegida. Paul busca se manter firme
diante daquele vendaval sinistro, equilibrar-se enquanto mantêm o corpo da
garota em segurança.
— Você está atrapalhando. — São as palavras
da Mandy, enquanto empurra seu salvador para a queda.
O
Golem é pego de surpresa, caindo de costas no chão. Ao se dar conta das dores
nas costas e sangue na boca, só por puro reflexo consegue desviar de uma lâmina
dourada que desce velozmente em direção ao seu pescoço. Então contempla seu
agressor: o Padre, portando uma espada dourada de lâmina curva e larga (uma cimitarra
de ouro), enquanto as pequenas e barulhentas criaturas aladas dançam em volta
deles.
— Ele
despertará hoje, isso já foi determinado. — O vampiro diz.
Paul
contempla a menina sentada de onde o jogou, seu olhar perdido, em uma espécie
de transe místico. Então se ergue, ao mesmo tempo sacando suas lâminas
prateadas.
— Esqueça a garota. O único sacrifício hoje, será
você. — Diz o Golem.
[...]
A
vida é cheia de surpresas, diriam alguns. De fato, após serem poupadas por um
vampiro que tinha todo motivo do mundo para matá-las, as jovens se sentiam
realmente abençoadas enquanto corriam por dentro da igreja. E pouco importava
que ela estivesse profanada e cheia de cadáveres em posições blasfemas. Naquele
momento, elas tinham toda a certeza de que Deus olhava por elas e teve piedade
de suas pobres almas perdidas. Algumas com ferimentos graves, outras apenas
assustadas, somente elas conseguiram sair do covil. Dez ao todo. Foi com
lágrimas nos olhos que a primeira abriu as portas do templo, disparando em
direção a um portão de ferro, ainda fechado. Não foram mortas pelo vampiro, não
foram mortas pelo Padre, nem mesmo pelos lobos. Abençoadas, sem dúvida. Ou ao menos foi isso que pensaram.
Quem
poderia prever que assim que se aglomerassem diante do portão, um caminhão
desgovernado arrombaria as portas de ferro? E que das quatro que escaparam de
serem atropeladas pelo gigante de carga, nenhuma escaparia dos tiros que os
capangas restantes dispararam contra o caminhão? É, realmente a vida é cheia de
surpresas.
— Tem
ninguém no volante, não! — Grita um rapaz alucinado, surpreso pela ausência do
cadáver de um motorista (após descarregarem tanta munição, ele não esperava
alguém vivo).
O
caminhão não apenas arrombou os portões, ele prosseguiu em disparada até se
chocar contra a porta da igreja. Obviamente, deixando um rastro medonho de
corpos juvenis pelo caminho. A paisagem agora é composta de dez corpos, seis
esmagados ou jogados violentamente a distância, outros quatro perfurados por
“fogo amigo”. Três rapazes circulam o veículo, dois deles recarregando as
armas, a procura do invasor. Um outro se apoiando no caminhão, tremendo de
medo, e vomitando de nojo. Esse é o primeiro a sumir.
— Tá
de sacanagem, né? — Pergunta o garoto de cabelos longos e cacheados, após
perceber que seu amigo passando mal não está mais respondendo.
Um barulho de passos pesados se faz ouvir
perto do caminhão, fazendo o rapaz disparar feito louco na direção do suposto
invasor. Ele faz uma careta quando ouve o grito de um dos colegas que estava
naquela direção sendo baleado por sua culpa. Não que ele se importe realmente.
A promessa do Padre de transformá-los nunca foi para todos, então quanto menos
gente na competição, melhor, ele pensa. Enquanto recua para mais perto do
último colega armado e vivo, não percebe a aproximação silenciosa de um vulto
branco. Ao menos não antes de ser tarde demais.
O
último garoto apenas balança a arma nervosamente na direção do lobisomem,
enquanto se afasta rumo ao portão. Rumo à sobrevivência. O lobo branco o
observa tentando lutar por sua vida, na esperança de que o monstro esteja
saciado. O que não é o caso. O lobo está pronto para o abate... mas então para.
Que o covarde viva, há um cheiro bem mais interessante no ar para o lobo. O cheiro da matilha.
O
terreno é grande, com o portão arrebentado e o caminhão bloqueando a entrada da
igreja, o lobo branco com focinho tingido de vermelho decide caçar. Mandy é sua
prioridade, resgatar a garota com vida e provar que não falhou com ela. Que não
deixou alguém que se tornou tão importante em tão pouco tempo morrer. Pois caso
ela morra... isso acabará com o Jimmy, acabará com a Emma... e com ele também. Mas
a matilha é a chave, ele sabe. Através deles o lobo descobrirá como salvar a
garota, voltará a olhar naqueles olhos, a ver aquele sorriso.
Após
algum tempo seguindo o cheiro, ele encontra o que procura: cinco barracas
montadas no vasto terreno, rodeadas de garrafas de cerveja vazias por toda
parte. Andy Valentine avança lenta e silenciosamente, como um predador rodeando
a presa. O garoto quer respostas...e algo mais.
[...]
Pouco antes, Malcon.
Rondando
a área em forma humana, o líder da matilha anda com ar imponente. Seu porte
físico, pistolas e sorriso cínico mantendo afastados quaisquer dos jovens delinquentes,
desejosos por tornarem-se vampiros. Há uma grande quantidade de gente vigiando
cada perímetro, o próprio Boris está rondando, mas se tem uma coisa que a
experiência ensinou ao lobo foi a manter os olhos bem abertos. Para sua
surpresa, começa a sentir cheiro de sangue próximo de entulhos e sucata. Após vasculhar,
para sua decepção, depara-se com o cadáver de alguém familiar: Boris. Um corpo grande e nu, com a
mandíbula partida e o pescoço exibindo um grande corte, para além de outros ferimentos
igualmente impressionantes. Boris, um dos membros fundadores, o segundo mais poderoso
do bando e o único com mais força física que ele próprio.
—
Quem foi o filho da puta que fez isso contigo, hein parceiro? — Malcon
pergunta, enquanto fecha os olhos do velho companheiro.
Ele
examina o lugar de arma em punho, e após encontrar outros cadáveres humanos,
decide agir.
— ...
Peg, tudo ok ai? — Ele liga para a mulher que dará à luz seu filho, seu
herdeiro.
— ...Tudo um saco. — ela responde.
—
Bota no viva-voz pra o Rickon ouvir. — Após alguns instantes. — Temos companhia.
O grandão tá morto e alguém tá fazendo a festa aqui dentro, usando facas de
prata e arma com silenciador. O vampirão tá lá embaixo...sinal de que não é
ele. Vocês dois fiquem preparados, eu vou a caça, mas logo passo ai.
— ...
o Boris, sério? — Peg pergunta, assustada. — Puta merda, Mal, já perdemos o
Jeff e a vadia nesse trabalho, agora você me diz que deitaram o Boris!?
— Não
é hora de chorar, minha flor. E você, cuida da minha mulher e do meu filho até
eu voltar, ouviu, Rickon?
—
Pode confiar em mim, Malcon, o futuro mascote da matilha tá seguro. — O garoto
diz, voz tensa.
O
líder do bando então se livra das roupas, armas e equipamentos humanos,
abraçando sua animalidade, se transformando novamente em um monstro de
pesadelos infantis. Ele uiva, alto o bastante para os vampiros dentro da igreja
ouvirem, alto o bastante para encher de confiança uma mulher grávida e seu
jovem amigo, alto o bastante para afastar a tristeza por aqueles que morreram sob
seu comando. E é nesse exato momento que um caminhão destrói os portões e se
choca contra as portas da igreja. Iniciando um inferno de tiros e mortes,
denunciando a chegada do Andy.
[...]
O
Golem ataca ininterruptamente seu inimigo. As lâminas se chocam, iluminando a
semi-escuridão no ritmo de uma dança sinistra, contemplável apenas por olhos feitos
para a noite. Olhos como os de um vampiro, ou de alguém com visor noturno na
máscara. Os morcegos continuam rodeando a ambos, as vezes interferindo no meio
da batalha, para o desprazer de Paul Davis. Direita-esquerda,
esquerda-baixo-cima, esquerda-direita...Paul alterna a sequência de golpes,
dando tudo de si, apenas para ver cortes superficiais que sequer são capazes de
diminuir o ritmo do sacerdote. Ele se força a prosseguir, chegando ao limite das
forças, ao limite do fôlego... quando finalmente diminui a velocidade.
Um
golpe certeiro na altura da coxa faz o mascarado rilhar os dentes de dor,
sufocando um grito que sabe, apenas deliciará seu oponente. A lâmina venceu a
proteção reforçada e tirou sangue...o suficiente para que o vampiro o provasse,
para que ele o sentisse.
— Humano.
Um mero ser humano. — Ele diz, enquanto lambe a lâmina. — Que sangue delicioso
você tem, humano. Agora eu o desejo para mim.
A
velocidade, a força, tudo nesse vampiro é além do que Paul esperava encontrar. Então é essa a força real de um vampiro
antigo? Todo o treinamento, todos os recursos, serão apenas para acabar assim?
Ele se pergunta, enquanto tenta ignorar o som do enxame que domina o ambiente,
as pequenas criaturas que muitas vezes se chocam contra ele, o ar superior do
monstro de olhos arregalados que o encara como a uma presa.
O
demônio recomeça o ataque. Os golpes descem com velocidade e força, não
buscando matá-lo, apenas tirá-lo de combate. Afinal, o monstro deseja seu
sangue, e para isso, ele precisa estar vivo. Se não onde estaria a graça? Paul
é forçado a recuar, mais e mais, cada golpe estremecendo seus braços e pernas,
a adrenalina da morte a um fio o fazendo ignorar a dor da coxa ferida, mas não
dos novos ferimentos, que se acumulam, um a um, retalhando braços e pernas, que
sem a proteção adequada estariam em frangalhos. O monstro sorri sadicamente enquanto
sua espada dourada reduz as forças do mascarado a cinzas. E então para. Paul
cai de joelhos, enquanto assiste ao monstro saborear seu sangue na lâmina. Sangue
que tinge não só a arma do adversário, mas sua própria armadura, e o chão da
igreja. A luta prosseguiu se afastando do cômodo inicial, ignorando o som do
impacto do caminhão contra as portas e chegando até próximo ao altar. Agora,
ajoelhado diante do monstro e dos corpos que substituem os santos, Paul pode
sentir sua vida se esvaindo. Pode enxergar os olhos acusadores daqueles que
foram mortos por ele. Olhos famintos por sua alma, famintos como o vampiro que
está diante de si.
Kelen... será que o final da história é
assim? Sem te ver uma última vez?, ele pensa.
— O sangue fala. Não preciso que me diga nada
sobre si, homem da máscara e capa. Não é necessário, pois teu sangue fala com
mais verdade e profundidade que qualquer palavra que tua boca profira. — Ele
caminha lentamente, parando ao lado de seu inimigo de joelhos. — Sinto seu medo
por trás dessa máscara. Sinto seu medo de fracassar, sinto sua mente confusa, sua
saudade de alguém que se foi para...
As
palavras do vampiro o trazem de volta. Não o homem com medo da morte, trazem o
Golem: a máscara, o símbolo, o mito do monstro de barro e pedra, da coisa que
existe apenas para cumprir a vontade de seu senhor. Coisas criadas não tem medo, e ele também não.
De
repente um estalo, seguido de fumaça prateada dominando o recinto. O vampiro se
afasta, mas não antes de sentir os efeitos do invento, da pequena bomba de
prata desenvolvida pelo Golem. Os olhos do monstro ardem, sendo então tomado
por uma tosse incontrolável que o faz baixar a guarda. Em um movimento rápido e
preciso o Golem executa um golpe com a lâmina, forçando o padre a defender-se.
Um truque, pois é com as pernas que ele derruba o adversário, deixando-o numa
posição finalmente desfavorável. Seu treinamento israelita em Krav maga lhe
permite quebrar ossos sem dificuldade, e mesmo que seu inimigo se trate de um
vampiro, enquanto o membro não regenerar, a vantagem é dele. Com o braço da
espada quebrado, e a face de pedra diante de si, sacando sua arma com balas de
prata, o antigo vampiro começa a temer o desfecho da luta.
— Você é um fantasma... uma casa vazia! —
Ele diz, em meio a um sorriso insano, focando olhos invisíveis sob a máscara,
enquanto luta para se erguer. — Eu tenho
uma missão nesse mundo, a volta dele não será interrompida por uma casa vazia.
Paul
consegue enfim encravar a lâmina no outro braço do monstro, mas executá-lo não parece
fácil. Ele luta contra uma força sinistra que tenta dominar sua mente, uma voz,
um desejo, um impulso de largar as armas e se entregar a morte.
— Você não é nada, nunca será nada. —
Olhos arregalados e profundos, injetados de sangue, presas salientes num
sorriso sádico e desesperado. — A morte é
sua libertação, sua única chance! Entregue-se a sua amante, entregue-se a
morte!
—
...sou um fantasma... uma casa vazia... — Paul para de tremer, para de lutar.
Então ergue a face encarando seu inimigo. Sua presa. — Eu sou o golem.
E
dispara. Uma, duas, três vezes. O vampiro é deixado com um buraco enorme no
crânio, enquanto o Golem se afasta. Os morcegos cessam seu vôo... caindo sem
vida. Ele olha em volta, apenas a escuridão e silêncio diante de si. E uma
menina, uma menina assustada e de olhos arregalados.
[...]
O
lobo branco abre caminho silenciosamente pelas barracas. Não que ele espere
surpreender seus alvos, afinal eles são lobisomens, todos tem faro aguçado o
suficiente para detectar uns aos outros. É apenas uma forma de prolongar a
sensação. Os cheiros não mentem: Rickon, o adolescente da idade dele, e Peg, a
mulher do Malcon. Apenas eles, diante do grande lobo branco, diante da fúria de
Andy Valentine. Quando atravessa a última barraca ele sente, antes mesmo de
ouvir, sente a mudança no ar: a atitude desesperada do lobo menor. O
garoto-lobo de pelo castanho e corpo franzino se joga na direção do invasor, de
presas abertas, buscando segurá-lo. Andy o derruba com um golpe. Rápido e
pesado, só força bruta, sem usar as garras.
— Vo-você
quer a Mandy, não é? Você veio por ela? — O garoto pergunta desesperado, cara
no chão e alguns dentes quebrados. — Ela está na igreja, Andy, está nas mãos do
Padre, o chefe dos vampiros. Se você correr, pode salvá-la ainda.
Andy
o olha com desprezo, enquanto coloca a mão sobre a cabeça do jovem lobo. Jovem
como ele, mas bem menos forte. Percebendo que o lobo branco não diz nada, o
garoto continua:
— Foi
você que matou o Boris? Digo... o Jeff eu sei...disseram que a Evy foi parar no
hospital com vocês. Cara, eu juro, eu não encostei em nenhum deles, eu só
ajudo, eu não gosto de matar ninguém, então...
— Ei,
buchudinha. Pode ficando parada ae. — Andy ordena, ignorando o lobo assustado e
entrando na última barraca. — Acha mesmo que eu não percebi você se arrastando
atrás do teu macho?
Peg está em forma de licantropo, pelugem negra
como a do Malcon e corpo esguio com garras longas. Garras que protegem a
barriga de gestação avançada.
— O
lobinho cresceu. — Ela diz, desprezo na voz. — Parabéns pra você, rapaz.
Conseguiu deixar meu homem muito, muito puto. Os caras que você matou, eram
nossos amigos. E a puta, pra mim você fez um favor, mas o Mal comia ela, então
acho melhor você colocar o rabinho entre as pernas e fugir enquanto dá tempo.
Ela
diz isso com ar confiante, sabendo que Andy também ouviu o uivo do líder, que
pode ouvir sua aproximação a distância.
—
...correr? — Ele ironiza, ignorando os avisos.
—
Andy, por favor, se você quer mesmo salvar sua namorada, vai enquanto tem
chance. — Rickon se aproxima, submisso, se colocando entre Andy e Peg. — Se o
líder te ver aqui, acabou pra você.
Andy
olha para os olhos do lobo, cheios de medo e esperança... e para os da mulher
mais velha, confiante pela chegada do seu amor, do seu líder, seu homem, seu
“macho-alfa”. E lembra do olhar da Mandy, das suas últimas palavras para ele “se esconde”.
— Eu
não fujo, nem me escondo. — Andy diz, já ouvindo os passos acelerados do lobo
negro, já sentindo sua fúria. — E não deixo trabalho pela metade.
Uma mordida. Uma
mordida é tudo que foi preciso para matar a loba. Não só isso, os dentes do
lobo branco entraram fundo no corpo de uma Peg aterrorizada, contemplando os
restos de uma vida em formação que saem das presas de seu assassino. Ela cai de
joelhos, morta. Rickon grita de horror, enquanto contempla o garoto-lobo
cuspindo as partes do que seria o futuro do bando. O orgulho do Malcon...
aquilo que o garoto jurou proteger. Andy faz questão de um último olhar na
direção do seu opositor, antes de virar as costas em busca da Mandy. Malcon
enfim chega, ainda com tempo de atacar o inimigo inesperado... mas ele para. Perde
a reação, perde o fôlego. Diante da cena, tudo o que o enorme licantropo negro consegue
fazer é cair diante dos restos da sua família. Sua matilha... seu mundo.
O
corpo da mulher assume sua forma original, o que ressalta ainda mais o aspecto
grotesco do quadro. Malcon leva as mão peludas a cabeça, as garras tirando
sangue da própria face, como se estivesse buscando penitência. Ele grita, urra!
Rickon olha para seu líder com compaixão, como nunca sentiu antes. Sequer tem
coragem de encará-lo, sequer consegue parar de tremer e chorar. Já como ser
humano, igualmente impotente.
— ...
Valentine... Valentine... — Malcon
sussurra, o ódio como única âncora impedindo de afundar na loucura. Sua voz se
tornando cada vez mais alta, cada vez mais aterrorizante, até se tornar um
grito. Um grito de libertação e morte. —
Valentine!!!
[...]
Subterrâneo da Igreja.
No
salão iluminado por lamparinas, dois vampiros antigos se observam. A única
outra pessoa no recinto, e a única viva, é a jovem ruiva que não quer se
afastar do vampiro Adam. Partes de corpos e um banho de sangue decoram chão,
paredes e colunas, enquanto o vampiro alto, negro e bem vestido faz uma mesura
para seu rival, dizendo:
— Me
chamo René Chermont, e é uma honra desafiar o filho do grande mestre.
—
Traga-me a Claire, francês, e eu o deixarei viver. — Adam diz.
René
assume uma postura de combate, seu sabre apontado para Adam.
— Pardon, monsieur Tepes, mas não creio que tenha qualquer autoridade aqui. —
Ele dá os primeiros passos em direção ao rival — Obrigue-me.
Em um
piscar de olhos Adam bloqueia uma lâmina que passa raspando por seu rosto,
deixando um corte superficial que, não fosse sua velocidade de resposta, teria
arrancado a parte de cima do seu crânio. Antes que tenha tempo de recuperar-se
da surpresa, se vê obrigado a bloquear uma sequência de golpes, rápidos e
precisos, cada um deles capaz de arrancar partes de seu corpo. Uma chuva de
golpes que pressiona o vampiro, arrancando sangue, o fazendo recuar, até se ver
contra a parede. René é mais alto, seus braços compridos aumentando o alcance
dos seus golpes e dificultando um contra-ataque. Adam tenta achar uma brecha no
estilo do adversário, mas sem sucesso.
—
Você é rápido...e habilidoso. — Adam diz, enquanto bloqueia com dificuldade
cada novo ataque, encarando um vampiro de olhar penetrante e expressão
ininteligível. — Quantos séculos tem, senhor Chermont?
René
detém a própria espada diante do oponente, ambos parando por um momento. Após
algum tempo observando os ferimentos do adversário, abaixa a espada... com uma
expressão de desagrado.
— ...
o suficiente para saber quando meu adversário não leva o duelo a sério.
Continue me insultando com essa postura, e prometo que a humana sentirá as
consequências. — As duas figuras de manto então abaixam seus capuzes, revelando
as faces de Claire Winnicott e uma mulher desconhecida. Uma vampira.
Adam
percebe que sua amada ostenta um olhar perdido, como se não estivesse
consciente do que acontece ali. A vampira por outro lado, o encara friamente,
enquanto caminha até a jovem catatônica, segurando seu pulso... como se
desejasse sugar dele.
— Que
seja! Vou lhe mostrar o verdadeiro poder do sangue que carrego.
Adam
se ergue acima dos inimigos. Seus cabelos flutuando, seus olhos assumindo um
tom mais vermelho e suas presas a mostra. Sua energia maior e mais intensa que
há um momento atrás! Elisabeth, a jovem espectadora, assiste a tudo com olhos
cintilando de excitação.
— Meu anjo negro...
René
sente a presença de seu adversário, poderosa, intimidadora. Todo seu corpo
reagindo ao olhar do predador que o encara de cima. Uma sensação que há muito
não sentia, um prazer em temer pelo próprio fim, o risco... a morte. E sorri em resposta.
—
Venha, Tepes, mostre-me o que pode fazer! Faça-me provar do poder que herdou do
velho dra... — Um movimento rápido corta a frase, o ar e a pele. O único som é
o de carne sendo cortada, com sangue voando em profusão! René tentou, mas tudo
que pôde fazer foi proteger o pescoço com seu outro braço... que foi decepado.
Em uma velocidade assustadora, Adam Tepes passou por seu adversário, quase o
decapitando no processo.
Adam
para à poucos metros da vampira, a meio metro do chão. Ela instintivamente puxa
uma Claire sem reação para junto de si, presas sobre o pescoço e uma pistola
encostada as costas dela, na altura do coração. Com o antebraço esquerdo no
chão, e sangue escorrendo abundantemente do que sobrou dele, o vampiro encara
Adam Tepes, que desce suavemente, embainhando a espada. A garota ruiva leva as
mãos a boca, maravilhada.
—
Ainda pode viver, René. Você e sua amiga, ainda podem viver. Me deixem levá-la,
esqueçam tudo isso, todo esse plano insano, essa fé doente... e serei piedoso. —
Adam se põe de lado, de modo que pode olhar para cada um deles, enquanto faz
sua oferta.
René
se ergue, apoiando-se na espada. Seu olhar exibe determinação, mais do que o
vampiro imaginava encontrar. Pelo contrário... ele parece ainda mais motivado.
— Por
qual motivo embainhou a espada, monsieur Tepes?
— Ele sorri, a vampira sorri. — O duelo está longe de seu fim.
Adam
observa o que restou do braço do vampiro pulsar, vasos de sangue se formando em
incrível velocidade, carne brotando daquele membro cortado...crescendo até
assumir a forma de um novo braço, totalmente funcional.
— Um regenerador, então. — Adam comenta,
sacando a espada novamente. — Vamos descobrir em quantos pedaços tenho que
cortá-lo até que morra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário