terça-feira, 26 de abril de 2016

Capítulo Final - A Esposa do Demônio


É uma noite fria, em que densas nuvens choram sobre corpos de vivos e mortos. Diante do castelo, um espetáculo de sangue e morte que somente seu amado é capaz de proporcionar. O som de carroças e cavalos, disparos de mosquetes e de bestas, gritos de homens e animais em pânico... Ela assiste a tudo isso sem muita esperança, algo em seu coração, dizendo que é o fim. Adam partiu para o campo de batalha, determinado a exterminar cada um daqueles muitos homens que ameaçam sua casa.

Na defesa do castelo, apenas uma dúzia de homens. Gente da própria região, muitos na verdade são maridos ou filhos das empregadas, que o casal contratou há poucos anos. Foi um duro golpe para Marie ver que dentre os doze guardas, cinco fogem com seus parentes (e alguns espólios) ao ver a aproximação dos inimigos, e os outros sete resolvem mudar de lado quando ouvem que seus patrões são “uma bruxa e um vampiro”. Bruxa, a desculpa perfeita para que aqueles homens “leais e obedientes” de antes, se achem no direito não só de traí-la, mas também violá-la, para só depois entregá-la aos invasores. Infelizmente para eles, Marie Winnicott tem uma espada, e sabe usá-la muito bem.

Passados alguns minutos, é com pesar que ela puxa a espada do peito do último dos traidores, não esperava que o respeito e generosidade dela para com eles valesse tão pouco. Sete corpos espalhados pelas escadas antes mesmo que os inimigos entrem. Na verdade oito, pois uma das empregadas não reagiu muito bem ao encontrar o corpo do marido pelo caminho, e decidiu que seria ela mesma a vingar seu amor. Não durou muito. Quando os inimigos chegaram, não houve resistência alguma para além de uma jovem surpreendentemente bela, com uma espada em mãos e um coração determinado.

Ela sabe que Adam faz o impossível lá fora, mas as vezes, mesmo o impossível é insuficiente.


 — Vejam, a bruxa está matando seus próprios servos! — Grita um jovem ruivo e forte, para o irmão de tocha e espada em mãos. Gêmeos idênticos aqueles que trezentos anos depois tentariam violentá-la.

Marie observa aquela dupla que sobe as escadas, com olhos fanáticos, famintos por saciar seus instintos que pedem por sangue.

Olhe para eles, Adam, e diga-me se não são mais monstruosos que você; pensa ela.

Com a beleza artística e a precisão de uma bailarina, ela desvia da lâmina do primeiro, saltando sobre a espada do segundo e terminando o passo com duas estocadas rápidas que ceifam a vida de ambos os irmãos. Seus corpos rolam pelas escadas, em uma sequência capaz de perturbar os ânimos daqueles que invadem e incendeiam seu lar.

— Sou uma só, rapazes, esperem sua vez de dançar, sim? — Diz ela, enquanto assume uma postura de esgrimista experiente.

Os inimigos vem, um após outro, com tochas, espadas, bestas e até mesmo armas de fogo. E ela os enfrenta, sem regras, sem auxílio, usando apenas sua habilidade superior, astúcia e domínio do terreno para diminuir a desvantagem. Cada um deles tomba em meio àquela dança mortal, mas não sem deixar sua marca. Corte após corte, seu corpo vai perdendo as forças, tornando mais e mais difícil reagir a tempo. Adam é um vampiro, seu corpo morto é capaz de suportar e se curar de ferimentos capazes de matar a qualquer mortal, mas ela não. Sua humanidade, elemento que tanto fascina seu amado, a limita a cada novo ferimento.

Quando enfim eles deixam de subir, ela tem um corte profundo na altura do ventre, de onde o sangue jorra abundante. Seu corpo já fraco cai sobre a cama, buscando o descanso eterno...desejo ao qual ela não cede. Não ainda, não sem vê-lo uma última vez, não sem olhar para os olhos que sobre ela exercem uma força de atração para a qual não encontra explicação. E é assim, cercada por corpos e armas de inimigos, em meio ao fogo que consome seu castelo, com um ferimento mortal, após um tempo que parecera eterno, que ela o reencontra.

Um último encontro e uma última noite juntos.

Ao menos até agora.

[...]



Adam olha para sua amada com espanto e admiração. Marie, sua Marie, de volta. De algum modo que desafia a razão, sua alma tomou o controle do corpo da Claire, sua encarnação atual. Ele não se importa realmente com explicações, não quando pode tocá-la e sentir seus lábios, seu cheiro, sua voz e seu amor. E é isso que faz.

Ele a abraça com força, ignorando os inimigos e todo o inferno que os circunda. Ela se deixa abraçar, seus lábios retribuindo com o mesmo fervor e paixão os sentimentos que encontra nele. Por um momento, um efêmero e singelo momento, eles são um novamente.

  — ...eu ouvi sua voz me chamando. Eu voltei, voltei por você. — Ele diz, olhos nos olhos, enquanto os lábios se afastam.

Ela sorri, o conhecido sorriso que o ganha por completo, e diz:

— Eu sei, meu amor. Eu sinto você, através dela...através da minha nova eu. Eu tenho amado você através do amor dela, desse turbilhão de sentimentos que você desperta no coração da Claire, desse...

O momento é interrompido por um disparo em direção a cabeça da Marie, que Adam habilmente evita, a puxando mais para si. O tiro veio da arma da vampira Kellen, que os encara com ar de tédio.

— Me desculpem estragar seu momento, mas estamos no meio de algo importante, aqui. — Ela diz.

O casal sorri, enquanto examina a nova situação. Tom está de joelhos, o ferimento na testa já parcialmente cicatrizado. René se alimenta de pacotes de sangue embalado, trazidos pela vampira. Como resultado, seu braço decepado está regenerado, e alguns dos muitos ferimentos estão em melhor estado. Kellen se mantêm a frente do Padre, ainda muito ferido, que mantêm a concentração em reunir todo sangue derramado não só ali, mas por toda a igreja e arredores, rumo ao túmulo profano. Sangue do Andy, do Malcon, da matilha, do Paul, do Roger e de outros.

— Essas armas modernas são bem rápidas, tomarei mais cuidado. — Marie diz para Adam, enquanto gira a adaga que retirou da nuca do vampiro antes caído.

— Compreendo, quando voltei, levei alguns tiros também. — Adam responde, sentindo-se revigorado pela presença dela.

— Ela precisa morrer, não há muito tempo. — Diz o Padre, tenso. — O Grande Mestre precisa da vida da virgem para retornar, façam o que tem que ser feito.


[...]



O Golem corta a cidade em seu carro negro como a noite e blindado como sua armadura. No banco de trás, uma garota ao mesmo tempo feliz por ter sido resgatada, e frustrada por não ter sido seu irmão, a Emma ou mesmo o Andy a fazê-lo. Paul dirige o mais rápido que pode, focado na estrada deserta, tentando não pensar no que aconteceu minutos atrás.

— Então é ela, Paul? A súcubo que te enfeitiçou, que te transformou nisso? — Pergunta uma voz que não ouvia há algum tempo, a voz da madre Pietra, parcialmente queimada, sentada ao seu lado.

Paul segura mais firme no volante, tentando ignorar a figura que o assombra.

— O quão mais fundo deseja afundar, não vê no que está se tornando? Feriu e matou inocentes em nome de uma vampira que nem sequer o reconhece, um demônio incapaz de amá-lo! Conduziu um bom homem direto para a morte. Está servindo de capacho não só para bebedores de sangue, mas agora, até para lobisomens, os cães do inferno. — Ela prossegue, seus olhos ternos, sua mão sobre a dele. — Não sente o peso do fardo, não sente as correntes que o puxam para o fundo?

 O carro para bruscamente, Mandy sendo jogada contra o banco da frente.

— Ô maluco, que deu em você!? — A garota pergunta, enquanto esfrega um olho inchado pela pancada contra o banco. — Não é por que você vai me deixar no hospital, que tem que me quebrar toda primeiro.

— ... não sou capacho de ninguém. — Ele sussurra, para uma mulher morta.

— ...hein, fala pra fora, cara! — Brinca a adolescente, se aproximando do mascarado.

Ele tira a máscara, aos olhos de uma garota surpresa.

— Isso, Paul, faça o que sabe que deve fazer. — Olhando para a garota. — Extermine os monstros!

— Eu faço o que eu quero. — Ele diz, olhando então para a Mandy. — E você não vai para hospital algum.

Dito isso, um golpe rápido com as costas das mãos leva a garota a inconsciência.

— Você fala demais, freira. Devia era me agradecer, ou não se lembra para quem eu liguei antes de invadir a igreja?

A madre sorri ao ouvir isso, sua aparência novamente restaurada, como antes do tiro e do fogo.

— Foi sábio de sua parte fazer isso. Um primeiro passo rumo à sua redenção. — Ela diz, desaparecendo em seguida.

— ...só continue, Paul. — Ele diz para si mesmo, enquanto acelera o carro, e pensa se ainda a verá de novo. Não a madre...mas Kellen. — ... apenas continue.


[...]


Andy sai do templo.

Uma vez lá, frustrado por não encontrar ninguém, segue o cheiro que o leva até o corpo de Roger, morto com um tiro na cabeça. Depois, se dá conta que o odor continua até o lado de fora dos muros. Um uivo se faz ouvir, cheio de ódio e dor. É o Malcon, ele sabe. O grande lobo branco corre então até os portões que foram arrombados pelo caminhão que ele usou para invadir, focado em não perder o rastro, pensando apenas no cheiro e no sorriso daquela garota marrenta e adorável. A irmã do sujeito que o ensinou a se controlar, que lhe ofereceu um lar.

Ao passar pelo portão, percebe a presença de dois furgões pretos, parados à frente. Diante deles, o corpo ensanguentado de um jovem nu e cravejado de tiros. Rickon, ele percebe. Então se dá conta dos outros cheiros que buscava ignorar... cheiros de homens que entraram nesse terreno maldito. Mas isso não importa; só ela importa. Andy se lembra da noite em que ela brincou com ele, em que ensinou que queria algo mais quando apenas queria rir da sua cara, assumindo a forma de um pequena loba.

 — Ela consegue, todos da matilha conseguiam... até você, viadinho. — Ele diz, olhando para os olhos arregalados do jovem. — Então eu também consigo.

O grande lobo branco fecha os olhos, se concentrando e forçando seu corpo a mudar. E em um momento ele assume a forma de um lobo de porte comum, seu pelo ainda sujo de sangue e seus olhos vermelhos. Ele sente o rastro do carro, com o cheiro da Mandy e do “Golem” nele, agora já longe da sua vista.

Aguenta firme, Chapeuzinho; ele pensa, incapaz de falar, o lobo mau já tá chegando.

Ele segue o rastro, cruzando um longo caminho, cheio de incertezas e medos. Rumo a Mandy. Rumo ao Golem.


[...]


René, Tom e Kellen concentram seus ataques em Marie. René aposta no ataque direto, enquanto Tom se mescla as sombras para realizar ataques inesperados e Kellen mantêm a mira, buscando desferir um tiro fatal, ou apenas atrapalhar os adversários. Adam se concentra em proteger a amada das investidas de René, enquanto ela se foca em escapar e reagir aos ataques dos outros dois.

Marie está ofegante, protegida atrás de uma pilastra para escapar dos tiros, e tentando perceber de onde virá o próximo ataque do pequeno vampiro. Ele que furtivamente move-se pelo teto, silencioso como um predador; letal como um assassino experiente. Marie tem um problema, a parca iluminação a base de velas, todas distantes de onde ela se encontra, tornando o terreno perfeito para predadores noturnos. Quando ele a nota distraída, cai sobre ela de braços abertos, como se a morte a abraçasse. Marie reage no último instante, seus ótimos reflexos a salvando de uma lâmina que passa a meio centímetro de seu pescoço.

— Você é muito boa pra uma humana, Clarzinha. — Ele diz, desviando da estocada na nuca e do chute que a sucede. — Mas seu destino já tá traçado.

— É mesmo, diabinho? — Ela pergunta, exibindo um sorriso sapeca.

Dito isso, a jovem estende a palma da mão esquerda na direção dele, em seguida fazendo um corte nela com a adaga que pegou do garoto. Ele contempla surpreso enquanto Marie sussurra palavras que ele não entende, seguidas de um brilho prateado que parece aumentar de intensidade em ritmo acelerado. Um medo instintivo toma conta do menino enquanto salta para longe dela, porém não antes do brilho prateado queimar seus olhos.

Ele grita de dor, enquanto rola pelo chão, deixando a adaga cair ao levar as mãos aos olhos.

— A maldita me cegou! A humana é uma bruxa! — Ele berra.

Adam gargalha, enquanto bloqueia outra série de ataques de René, que dá tudo de si nesse novo round da disputa.

— Oras, não a escolhi como esposa só pelo rosto bonito. A Bruxa de Prata, era assim que a chamavam em nossa época. — Adam desce em forma de morcego sobre o francês, acertando os dois pés no tórax do inimigo, afundando parte do piso com o impacto. — Devia ter feito melhor o dever de casa, Padre.

Marie desvia de uma série de tiros enquanto rola até a adaga caída, depois lançando sua outra lâmina contra a pistola da vampira atacante. Kellen se prepara para desviar, mas o brilho prateado se repete, dessa vez originado da adaga arremessada. Ela protege os olhos enquanto desvia para baixo, só no último momento percebendo a aproximação da adversária.

— Perdão, mas eu e a Claire estamos bem furiosas com mulheres que tentam nos separar do Adam. — Ela diz, enquanto segura o pescoço da vampira com a mão ensanguentada, fazendo a mesma gritar de dor e deixar cair a arma. Arma que é em seguida destruída pela jovem humana.

Tom se afasta dos adversários, guiando-se por seus outros sentidos, impedido de ver qualquer coisa. René se ergue com dificuldade, usando a espada de apoio, enquanto Kellen cai de joelhos, levando a mão ao pescoço destroçado, se esforçando para reter o sangue. O casal se olha com orgulho e afeto, e depois olham para o Padre. E tem uma infeliz surpresa.

Ele está de pé, ainda ferido, mas trazendo uma garota pelo braço. É Elizabeth, a ruiva que ficou fascinada por Adam, a ponto de trair seus colegas e jurar sua vida a ele. Ela se manteve a distância da luta, observando tudo das sombras, aguardando pela vitória de seu novo ídolo. Até agora.

— ... não, qual é, Padre? — Ela protesta, tentando fazer força, mas mesmo que o líder vampiro esteja enfraquecido, sua força ainda é bem maior. — Eu tenho dezoito, acha mesmo que ainda sou virgem, cara?

— Há um modo simples de saber. — Ele fala, puxando seu pulso e sugando dele.
Após sentir o gosto, ele fecha os olhos e lambe os lábios, dizendo:

— O sangue não mente. Ainda é pura, ao menos no corpo.

— ... não acredito que me guardei tanto pra isso. — Então olha para o Adam, frustrada. — Eu estava esperando por um cara como você, Adam Tepes.  

É com um sorriso sem graça da parte dele e uma sobrancelha arqueada da parte dela, que Adam e Marie partem para cima do sacerdote, prontos para colocar um ponto final nessa cerimônia. Mas inutilmente. René bloqueia a passagem do adversário, todo o sangue que lhe resta sendo usado para fortalecer os braços que prendem o filho do Drácula.

Pardonnez-moi, mon ami. — Ele diz, seus músculos com força sobre-humana. — Notre combat est pas terminée.

Marie por sua vez tem seu avanço detido por adagas arremessadas pelo pequeno Tom. Mesmo cego ele é muito bom com elas, o suficiente para que ela tivesse que desviar de uma na altura do ombro e bloqueasse uma segunda, com sua própria adaga. Kellen também dispara, embora não consiga se pôr de pé, ainda tem reflexos para sacar uma arma escondida e forçar a inimiga a recuar.

Enquanto o casal se frustra por não conseguir impedir o fanático, e seus comparsas se alegram por cumprir sua missão, algo de inesperado acontece. Ouve-se um estrondo, e metade da cabeça do padre é estourada com um tiro. Ele cai de lado, junto com sua cimitarra, deixando uma jovem ruiva assustada, coberta de sangue e muito feliz por não ter morrido. Kellen faz uma expressão de puro horror ao contemplar a cena, enquanto o restante apenas fica sem reação. O sangue deixa de fluir para o túmulo profano, interrompendo os planos da Irmandade de Sangue.

O tiro vem de um homem de capuz, com uma espingarda calibre doze em mãos, máscara de gás e um enorme crucifixo prateado. Outros onze homens como ele surgem no local, cinco ao seu lado, e outros seis vindos das saídas usadas pelos vampiros da seita. Todos com escudos de tropa de choque, que cobrem todo corpo e dão visão para o alvo. Enquanto se agrupam, o atirador avança lentamente enquanto diz:

— Então essa é a famosa “Irmandade de Sangue”? A seita que recruta adolescentes prometendo vida eterna? Os sanguessugas que deturpam a palavra de Deus, fazendo uma paródia bizarra de sua santa igreja? — Ele para, olhando para o Padre caído. — Confesso que esperava mais.

O clima é tenso, com cada um dos vampiros presentes se afastando uns dos outros, uma vez que sua luta parece ter perdido o sentido. Todos atentos, sabendo que qualquer movimento brusco pode iniciar algo perigoso.

— Nos pegou em um mau dia. — Diz Kellen, encarando o sujeito. — Parece que organizamos uma festa para meia dúzia de crianças, só que elas não param de chegar. E cada uma traz um amiguinho novo.

— Notei os corpos, parece que deram um uma festa dos infernos. — Ele responde.

— Então é verdade que a Ordem do Dragão continua atuando nesse país. — Fala Adam, com voz imponente. — Diga seu nome, humano!

— Aqui não há lugar para nomes ou egos, sou apenas um servo de Deus. Mas não pense que pode me dar ordens, Adam Tepes, filho do demônio. É o fim para vocês, criaturas do inferno. — O atirador diz, enquanto faz o gesto de uma cruz. — A justiça divina chegou.

O anúncio é claro, e todos ali sentem que é hora de agir. Os onze homens atacam de modo coordenado e tático, com escudos posicionados para se proteger, enquanto se revezam em avançar, disparar, lançar bombas incendiárias ou de fumaça. Em instantes, tudo vira o inferno. Adam e René são os principais alvos, desviando de balas de prata enquanto tentam proteger quem lhes é precioso. René recebe uma saraivada de tiros para chegar ao corpo do Padre, até que Adam o perde em meio a fumaça que se ergue. Tom desaparece nas sombras, e Kellen se joga para trás da coluna mais próxima, enquanto Marie faz o mesmo, só que do lado oposto.

Adam força passagem até sua amada, recebendo no processo tiros de fuzil na altura do ombro. Ele rilha os dentes, mas suporta a dor, parando ao lado dela. O cenário logo exibe o cheiro de fumaça, com focos de incêndio em diversas áreas. Os sons dos tiros são ensurdecedores, o calor do fogo aumentando e dificultando o combate para seres como ele.

— Marie, você foi... — Ele pergunta com temor, lembrando daquela fatídica noite há trezentos anos atrás.

— Uma dessas coisas me acertou de raspão, nada além disso. — Ela responde, com a perna sangrando.

A conversa é interrompida por uma bomba incendiária, que explode próximo a eles. Adam a envolve em seus braços e salta para longe do foco da explosão. O ato cobra seu preço, e o vampiro é tomado por queimaduras graves espalhadas por suas costas e braços. Marie sente o enorme calor que queima as pontas de seus cabelos e aquece seu corpo.

— ...Adam?

Ela termina sob um Adam gravemente ferido, sem chance de reagir a investida dos dois atiradores que se aproximam. Ela é ágil, derrubando o primeiro com um chute rasteiro e encerrando a luta com uma adaga que encrava no pescoço do sujeito, antes mesmo que ele tivesse tempo de reagir. Quando pensa em atacar o segundo, o vê caindo diante de si, o pescoço sendo sugado por uma criança saída das sombras.         

— Não morre agora, Clairzinha. — Tom diz, parando por um momento de beber. — Temos que nos encontrar de novo, quando isso acabar.

Marie sorri, diante da ajuda inesperada da criança que ela hesitou em matar.

— Marie... — Adam se ergue com dificuldade, chamando pela amada.

Ela o abraça, o ajudando a se pôr de pé. Seus olhos se encontram, e eles sentem que a pesar de tudo isso, da dor, do risco e do medo, estarem juntos é uma alegria que supera qualquer outro sentimento. Infelizmente para o casal, os inquisidores são muito bem treinados, e eficientes. Através da fumaça que os encobre e dos óculos com visão infravermelha, três atiradores abrem fogo contra eles. Marie presente o perigo e se abaixa, com Adam saltando sobre ela enquanto recebem uma saraivada de tiros. Ele sente a dor das várias balas prateadas que atravessam seu corpo. Sente o sangue escorrendo e encharcando sua roupa. Sente o medo por ela.

— Quem é ela, demônio? E por que ela é importante para você? — Pergunta o líder inquisidor, após cessarem os tiros. 

Adam tem ferimentos por toda parte, buracos de bala nas costas, ombros, braços e pernas, e sangue escorrendo por eles. A dor dos tiros, do fogo e da prata o levando ao limite físico. Ele abre os olhos, encarando o rosto angelical daquela por quem daria todas as vidas que tivesse.

— Adam... eu... — Marie sussurra, sangue nos lábios. A dor dos tiros lhe roubando a fala, e a consciência.

— ... ela é minha esposa. — Ele encara o sujeito, seu olhar aterrorizante. — A esposa do demônio!

Com a aura terrível emanando, a ponto de cada humano e vampiro senti-la, ele invoca uma centena de morcegos, capazes de protege-lo e deter as armas de seus adversários, que são jogados para longe. Ele a toma nos braços enquanto ouve o som de gritos e tiros, sente o calor do fogo e da fumaça. Enquanto sente o medo de viver tudo de novo, de perder Marie novamente. De perder a Claire.

Então, se mesclando ao enxame de morcegos ele voa, carregando o corpo de sua amada, indiferente ao túmulo de Vlad Tepes III, indiferente ao corpo de um Padre que pode vir a se levantar novamente, indiferente aos vampiros que servem a seita, indiferente aos homens que tentam exterminá-los. Tudo que importa é ela, e ele não irá perde-la novamente.

Ele alcança o céu de uma noite fria, e que começa lentamente a derramar sua chuva sobre eles.

[...]

O professor desce as escadas de seu porão, levando nas costas uma adolescente acorrentada e inconsciente. Jeanne, a vampira que o Golem sequestrou de dentro da prisão, assiste a cena. Apesar das humilhações, privações e tortura a que tem sido submetida, não perdeu totalmente o espírito.

— É pra mim? — Ela pergunta, irônica. — Eu até que prefiro os ratinhos, mas ela quebra um galho.

Paul está com a armadura, mas sem a máscara. Logo trata de prendê-la em correntes de prata ainda mais grossas, reservadas para momentos como esse. O professor ignora as zombarias da vampira, que percebe que ele está de pior humor que de costume.

— Que foi, Paulzinho... deu em cima da menina e ela te deu o fora, foi? Então cansou da sua obsessão pela sua ex vampira, e agora tá indo atrás de lobinhas adolescentes? — Ela diz isso com prazer, tentando afetá-lo de alguma forma, da menor que seja. — É cada tara estranha.

Paul a encara com ódio, ao mesmo tempo surpreso por ela saber sobre os lobisomens da cidade, até mesmo suas identidades, e não ter dito nada disso durante as sessões de interrogatório.

— Melhor não mexer comigo hoje, mulher, ou vai descobrir o quanto posso ser criativo. — Ele diz.

Ela se cala, sabe quando entra em terreno perigoso, e não está disposta a sofrer por bobagens.

— Espero que trate bem sua colega de canil. — Dito isso, ele sobe, trancando a porta que leva ao sinistro porão.

Paul está exausto, física e mentalmente. Ele tira a roupagem e cuida dos ferimentos, coisa que teve que aprender para sobreviver nesse tipo de vida sem levantar suspeitas demais. Em seu quarto, ele olha para o retrato de casal que mantém ao lado da cama. Aquilo é o suficiente para despertar todo o vendaval de emoções que vivenciou hoje. Lembra do rosto dela, e das palavras do Roger antes de morrer. Ele lamentava por falhar.

Velho idiota, quem falhou com você fui eu, pensa ele, com amargura.

Paul pega uma garrafa da sua melhor bebida, única aliada nesse momento. E bebe. Bebe para esquecer da dor que se espalha por todo seu corpo. Bebe para esquecer da dor em seu coração. Bebe para esquecer que é um homem amaldiçoado, assombrado por fantasmas que somente aguardam por sua morte e danação eterna.

[...]


O lobo corre.

Corre como nenhum lobo deveria ser capaz de correr. Cortando a cidade, sem sequer dar tempo para as poucas pessoas que o notam perceberem que não se trata de um cão fugitivo. Andy sempre se orgulhou de ter fôlego de atleta, e ele testa isso ao máximo nessa noite. O lobo corre, sem perder o cheiro, parando apenas quando a exaustão se torna insuportável. Por sorte, enquanto avança pela deserta estrada que leva a Bleak Hill, se depara com uma caminhonete indo na mesma direção.

A coisa é rápida, mas ele é mais. Em um salto, ele se joga sobre a caçamba cheia de tralhas, se deixando enfim descansar sem perder o foco. O tempo passa lentamente sobre a velha caminhonete, enquanto ele observa a lua o vigiando lá de cima. Vendo o que aquele ladrãozinho de rua se tornou. As pessoas que ele matou e o quão selvagem e brutal ele pode ser quando perde o controle.

O que você ia dizer se soubesse, em coroa?, ele pensa consigo mesmo, o que diria se soubesse das merdas que seu filho anda fazendo?

Uma lágrima desce dos olhos do lobo, do garoto, do Andy Valentine, o ladrão que se mudou para Bleak Hill e lá encontrou uma nova família.

 Nem é por mim, é por ela. Por eles.

Após algum tempo, ele sente que o cheiro ficou fraco...e nota que a caminhonete curvou, mas que o cheiro prossegue para sua cidade. Ele pula do veículo, e volta ao rastro.

Só mais um pouco, Hello Kitty. Aguenta só mais uns minutos que eu já acho você.


[...]



Mandy desperta, sentindo dor na nuca. Quando abre os olhos, se assusta com o fato de estar nua, acorrentada na parede e em um lugar escuro. Ela tenta se soltar, mas logo percebe que é inútil. Se lembra então do último ato do Golem, e grita de revolta. Ela era uma refém na igreja, achou que foi salva, e agora... lá está ela de novo com correntes nos pulsos, e de prata.

— Dormiu bem, flor? — Jeanne pergunta, alertada pelo som das correntes. — Ele foi mau com você também?

Mandy se assusta ao perceber que tem mais alguém ali. Principalmente depois que percebe o cheiro dessa pessoa.

— Você é vampira, certo? — A garota pergunta para sua amiga das sombras, aos poucos seus olhos se adaptando. — Foi mesmo o Golem quem fez isso?

— Golem, Paul Davis... um lunático. Acho que ele quer montar um circo, e nós somos as felizardas. — Jeanne sorri, deixando transparecer um pouco do quanto está abatida.

Mandy fica em silêncio. Conforme sua vista se acostuma, consegue ver um pouco dos ferimentos da vampira. Ela não deixa de notar o quanto a mulher está magra e fraca, com marcas em muitas partes do corpo...e isso apenas no que ela consegue discernir. Uma vontade enorme de chorar começa a dominar a garota...mas ela resiste! Ela é uma loba, não é? Não é uma patricinha qualquer, é uma guerreira! Não importa a situação, ela vai encontrar um jeito de sair dessa. É isso o que ela pensa, enquanto trava sua luta interior.

— Eu vou sair daqui, tia. — Ela diz, confiante. — Isso é uma promessa.

Jeanne apenas observa a garota, cética. Ela mesma já perdeu a esperança de escapar de lá. Gostaria de acreditar, assim como ela. Tornaria mais fácil suportar sua nova realidade. Ela é uma vampira ainda jovem, não chegou sequer aos cem anos. Mas mesmo enquanto ainda era humana, já era mais velha e experiente que a garota a sua frente. Uma menina tão nova, e que já teve que lidar com o sobrenatural rotineiramente. Uma licantropo irmã de outro, isso com certeza marcou a garota. É com esse pensamento que a vampira fecha os olhos, não sente necessidade de sono antes do amanhecer, mas não há muito mais o que fazer, e ela procura sempre poupar suas forças.

É com surpresa que ela ouve o som da porta do porão se abrindo. Muito maior a surpresa, quando percebe que quem desce as escadas não é o professor, mas sim um garoto, vestindo apenas uma calça. Andy farejou até a casa. No caminho, roubou uma calça em um varal vizinho e improvisou um pedaço de arame para destrancar a fechadura. Havia um cachorro, mais curioso por ele que qualquer outra coisa. Não foi difícil impor sua presença animalesca para o animal, que se encolheu em um canto, chorando baixo. Ele esperava encontrar um covil secreto, uma fortaleza bem guardada. Ao invés disso, encontrou uma casa padrão da cidade, do tipo que ele poderia ter invadido a qualquer momento no período em que roubava por lá.

Uma vez dentro da casa, ainda seguindo os cheiros, ele percebe que eles prosseguem para um possível porão. O cheiro do Golem pode ser sentido até um quarto fechado, de onde se ouve música hebraica em volume alto. Parte dele quer ir atrás do tal sujeito e descobrir o motivo dele não ter levado a Mandy para a família, mas a prioridade é resgatá-la.

— Ei, Hello Kitty. — Ele sussurra pra ela, parando perto do seu rosto. — O príncipe chegou.

A garota é tomada por uma grande alegria, transparecendo em seu sorriso. Não só por ser o Andy ali para salvá-la, mas principalmente por ser uma prova de que ele não morreu.

— Que merda de príncipe eu fui arrumar, hein? — Ela brinca, enquanto uma lágrima de felicidade escorre pela face.

Após jogar um sobretudo empoeirado sobre o corpo nu da menina, e queimar as mãos nas correntes de prata quando tenta puxá-las, ele percebe que a transformação é inevitável. Ele assume sua forma bestial novamente, resultando em um monstro de mais de dois metros de altura, músculos impressionantes, presas afiadas, olhos vermelhos e pelo branco.

— Vai ter que ser na marra, então. — Andy fala, enquanto forra as mãos com tiras de pano, e agarra com força as correntes presas.

Jeanne assiste o lobo arrancar ambas as correntes da parede, um processo não só violento, como barulhento também.

— Ele com certeza ouviu isso. — Jeanne diz para a Mandy, ciente que o lobo a está ignorando de propósito. — Ele tem armas de prata e é perigoso. Mas juntos, podemos cuidar dele fácil.

Andy dá um largo sorriso de zombaria ao olhar para a frágil vampira.

— Meu problema é só ela, você que se dane!

Ele então sente sua orelha sendo puxada com força, dando de cara com uma Mandy Duncan que o encara como de costume.

— Nada disso, Scooby. Não importa se ela é vampira, não vou deixar o maldito brincar com ela. — Ela então aponta na direção das correntes. — Ajude-a!

Ele rosna em desaprovação, Jeanne e Mandy sorriem.

Paul já bebeu bem mais de uma garrafa quando ouve o som de algo sendo quebrado em sua casa. Ele se ergue com dificuldade, pisando em cacos de vidro de um porta-retratos quebrado. Ele pega sua pistola em uma mão e sua espada na outra, enquanto sai de um quarto fechado e com música alta. Não coloca máscara ou uniforme...não há tempo para isso.

Ele fica realmente muito surpreso quando se depara com a porta do seu porão aberta, e ouve o som de alguém passando pela porta da frente. Paul corre, ainda a tempo de vislumbrar o grande licantropo branco em seu quintal, levando uma garota nos braços: Mandy Duncan. Paul dispara na direção dele, um dos tiros atingindo a perna do lobo, que interrompe sua fuga para encará-lo com olhar assassino e dentes expostos. No quarto tiro a munição acaba, e ele abaixa a arma, enquanto coloca a lâmina apontada para o adversário, em desafio. Está fraco, ferido, sem armadura ou munição. Mas ele tem seu orgulho...isso aliado a um certo desejo de morte.

O pelo do lobo se eriça, puro desejo de destroçá-lo.

— Andy, não! —A voz da Mandy o traz de volta a si, e ele se lembra do que realmente importa: a segurança dela.

Em um instante o lobo branco salta sobre o muro da casa, logo saindo da vista do Golem, enquanto avança pelos terrenos vizinhos. Paul olha para aquilo sem reação, assistindo sua única vitória naquela noite ser tirada dele tão facilmente. Ele entra na casa já entorpecido, não só pela bebida, como pela frustração. Desce as escadas do porão apenas para constatar o que temia: Jeanne Hillton sumiu.

Ele se deixa cair no porão, sentado. Seus olhos fitando o nada, vermelhos de choro e bebida.

— Vê, Paul, no que dá brincar de Deus? — Pergunta a madre, novamente queimada. — Você deveria matá-los, não brincar com eles. Exterminá-los, não fazer experiências!

Ele não a encara, apenas continua catatônico.

— Você perdeu tudo, cara. Você é um lixo. — Diz a voz de um antigo morto. — E sua mulher, hein? Acho que ela prefere fuder com o Drácula!

Os mortos riem, zombam. A música hebraica ainda sendo ouvida por ele. Paul leva as mãos à cabeça, caído, desamparado.

— Lamento por ter falhado, Paul. Mas prometo que não vou te deixar sozinho. — A voz é do Roger, o ex-detetive. Paul contempla com pesar a face do pobre homem, que exibe um buraco na lateral do crânio, de onde jorra sangue.

Ele se arrasta até sua mesa de trabalho. Sob o som dos risos, das críticas, dos sermões e das promessas. Ele abre a gaveta, retirando de lá duas coisas: uma foto, dele junto da Kellen...de uma época feliz. E uma pistola, dessa vez carregada.

— ... o lobo sabe sobre mim agora. A garota também, e claro... a puta vampira. — Um sorriso nervoso no rosto suado. — Minha vida aqui acabou.

Ele sente os olhares sobre ele, a expectativa.

— ... Kellen...

E do lado de fora da casa, um tiro pode ser ouvido.


[...]


Próximo ao hospital.

— Agora você tá livre. — O garoto diz, após romper a última corrente que prendia a menina.

— Você... você não pode tá falando sério. — Ela diz, enquanto encara a face do grande lobo. — Depois de tudo que você fez por mim, depois de tudo que a gente viveu lá em casa.

Ele desvia o olhar, sem jeito. Ela então o puxa pelo pescoço, apoiando seu rosto no focinho dele. O garoto volta a forma humana, exibindo uma série de novas cicatrizes e feridas não curadas pelo corpo nu. A jovem o olha com intensidade, deixando cair o sobretudo que cobria seu corpo. Eles se abraçam, e se beijam com desejo. Um beijo longo, cheio de vontade, esperanças e medos. Quando terminam, é o Andy quem se afasta primeiro.

— E o que eu digo pra o Jimmy? Ou pra Emma? — Ela pergunta, triste.

— Diz que eu preciso de um tempo sozinho. Que eu fiz coisas que não me orgulho, mas que faria de novo se precisasse. — Ele sorri pra ela, que fica corada pela situação. — E diz que eu sei onde vocês moram, e que se precisarem, eu chego ai em um pulo. Adeus, Hello Kitty.

Dito isso, ele assume a forma de um pequeno lobo branco, para a surpresa dela.

— Adeus, Scooby. — Ela diz, com um sorriso meigo no rosto.


[...]


Adam chega ao seu castelo, sob uma chuva fria que molhou a ele e a uma Marie inconsciente. Ele a coloca na cama, a mesma sobre a qual ela morreu trezentos anos atrás. O pesar em seu olhar é grande, teme que tudo se repita, teme perde-las. Marie... Claire.

— Tenha fé, senhor Tepes. — Lincoln diz, após abraçá-lo forte. — O senhor é hoje um homem melhor do que já foi, os céus hão de honrar isso!

Adam tenta buscar conforto nessas palavras, mas é tarefa difícil. Ele apenas assiste ao homem tratar os ferimentos dela, enquanto ele mesmo usa parte do sangue que ainda mantêm no corpo ferido para fechar as feridas mais graves que ela exibe. Ele se alimenta na casa, mas mesmo com acesso a sangue, há limites para aquilo que se pode fazer. Seja pelo próprio corpo, seja pelo dela. E após um tempo que pareceu eterno.  

— ... Adam? — Ela sussurra, recobrando a consciência.

Ele, que estava todo o tempo ao lado dela, sorri ao ouvir sua voz.

— Estou aqui, estou sempre aqui por você. — Responde ele.

— Foi... maravilhoso estar com você novamente. Sentir você, lutar ao seu lado. — Ela diz com dificuldade, sua mão na dele. — Parece que nosso tempo juntos é sempre tão breve. O paraíso realmente não foi feito para durar.

Lágrimas de sangue molham o rosto dele, enquanto ouve o som da chuva lá fora. Lincoln não está no quarto, estando somente eles lá. Como naquela fatídica noite.

— Você sabe o que posso fazer. — Ele diz, mostrando as presas. — Sabe que posso transformá-la. Uma maldição, mas a única forma.

— E você sabe como sou teimosa, não? — Ela sorri, beijando a mão dele. — E que apesar de tudo, eu prefiro assim.

Ele beija a face dela, suavemente, até chegar aos lábios.

— Não me deixe de novo, Marie. Como, como posso prosseguir sem você?

A respiração dela fica mais acelerada, sua mão aperta mais forte a dele.

— Uma parte minha estará sempre com você, meu querido. Seja nessa vida ou na outra. Pois eu te am...

A voz dela cessa, e seus olhos se fecham.

Adam cai de joelhos, toda dor do mundo sobre ele. As lágrimas rubras molham seu rosto, ao mesmo tempo em que ele abraça o próprio corpo, como se buscasse desesperadamente conforto. Ele permanece assim pelas horas seguintes, e assim ele adormece, ao amanhecer. Cessada a luz do sol, seus olhos se abrem, no mesmo instante trazendo toda dor de volta com eles. Ele está deitado sobre a cama, provavelmente graças a Lincoln. Se entristece ao perceber que ela não está mais lá, que o corpo dela foi levado.

Adam se levanta, sem vontade alguma. Se pergunta brevemente sobre o que fará, o que dirá a família da Claire. Quanto tempo após isso persistirá desperto...e se não seria melhor no fim das contas encontrar seu fim pelo nascer do sol, forma mais bela para um vampiro morrer. Enquanto está imerso por esses pensamentos, não percebe a presença de outra pessoa ali.

— ...oi. — Diz uma voz familiar.

Adam olha confuso para a direção da sacada, de onde surge a pessoa que o aguardava.

— Eu estava meio entediada já de te esperar acordar. Sabe, não estou acostumada a namorar gente que acorda após as seis da noite. — É ela, Marie... Claire.

Viva, com roupas limpas e radiante. Um sorriso no rosto e uma xícara de chá nas mãos. Ele fica atordoado, por um momento cético sobre aquela visão.

— ... é você? — Ele sussurra, timidamente.

Claire se aproxima mais, parando a sua frente.

— Parece que viu um fantasma. — Ela brinca, seu sorriso único e olhos profundos o quebrando por completo.

Ele a puxa para si, segurando seu rosto com olhos brilhando, admirando sua face como se fosse a primeira vez.

— Como pode ser. Você... Marie se foi...eu vi.

Ela acaricia seu rosto, sente seu cheiro.

— Sim, ela se foi. Marie Winnicott, sua antiga esposa, se foi para sempre. Ela me disse isso, ao me trazer de volta — Dito isso, ela se afasta.

— Só sobrou eu, Claire Winnicott. — Faz uma mesura exagerada ao estilo antigo. — Espero que seja o bastante.

Ele sorri, gargalha diante dela, a fazendo rir também, por ver esse lado dele.

— Então, Claire Winnicott, o que acha de recomeçarmos? — Ele pergunta, estendendo a mão para ela. — Me chamo Adam Tepes, senhor desse castelo, filho do Drácula e irremediavelmente apaixonado por você.

— Prazer, Adam. Sou Claire Winnicott, estudante de psicologia e patologicamente apaixonada por um certo vampiro charmoso. — Ela diz, apertando a mão dele.

E eles sorriem, se beijam e olham juntos para aquela linda lua no céu estrelado, iluminando aos dois, e a cidade de Bleak Hill. Se sentindo enfim, felizes como nunca pensaram que poderiam voltar a ser.


E assim se encerra essa história, essa saga de amor, tragédia e morte. Essa saga inspirada em um jogo, esse Conto de Amor e Sangue.

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