Nem para o sol nem para a morte se pode
olhar fixamente.
A
frase acima não me pertence, mas sim, ao filósofo favorito de Marjorie. Sim,
aquele da França. Me vi obrigada a lhe dar razão, pois fechar os olhos foi o
primeiro passo do meu salto para a morte. Senti o vento gélido da noite contra
o meu corpo em queda, o contato de finas gotas de chuva e o som abafado sobre
meus ouvidos. Meu coração estava disparado e meu corpo todo tremia, mas eu
sabia que aquilo acabaria em um instante. A
vida é mesmo algo efêmero.
E então,
o inesperado.
Senti
braços firmes ampararem meu corpo, me segurando pelo tronco. Antes que pudesse descobrir
a quem pertenciam, vi que ainda estava em queda, mas dessa vez, em direção
horizontal. Meu salvador protegia meu corpo o envolvendo contra o seu, enquanto
suportava os sucessivos impactos contra o chão molhado de uma torre próxima. Por
um momento, me senti novamente desamparada e em plena queda, mas logo sua mão
voltou a me segurar. E então eu o vi: Peter.
— Aguente...
firme. — Ele me disse, enquanto me segurava pelo braço direito, e suportava a
dor de uma haste de metal que atravessou seu ombro esquerdo.
Seu
sangue jorrava farto pelo ombro, para além de outros ferimentos causados pelos
castigos anteriores. Ele rilhava os dentes e se forçava a erguer o próprio corpo
e soltar-se daquilo. Naquele momento, minhas dúvidas e medos haviam perdido a
importância. Ele sofria por mim, e não era isso o que eu buscava. A altura
ainda era assustadora, e olha que já havíamos caído muitos metros. Evitando
olhar para baixo e com a ajuda da sua mão, eu subi. Depois, me deixei cair ao
chão enlameado.
Sem
ter que se preocupar comigo, ele pôde enfim se libertar da haste. Aquele homem
de cabelos molhados sobre o rosto me encarava com olhos tristes, sequer parecia
dar atenção a enorme ferida aberta de uma ponta a outra do ombro. Eu tive
vergonha de encará-lo, pois não sabia o que dizer. Deveria agradecê-lo por
salvar minha vida? E por acaso, diante do futuro que me aguardava, poderia
considerar aquilo como algo bom?
— Me
perdoe. — O ouvi dizer.
— Não
entendi. — Respondi, confusa.
— Eu
lhe peço perdão, minha senhora. Sei que não desejava ser salva. Sei o que lhe
aguarda, e mesmo assim a impedi. — Ele dizia, como se pudesse ler meus
pensamentos, olhando de cima para aquela jovem suja e molhada que era eu. — Mas
sua vida é valiosa, e é meu dever preservá-la.
Eu
deveria me sentir tocada pelo esforço dele, mas algo em suas palavras acendeu
minha raiva, me fazendo dizer:
— “Valiosa”?
Sim, imagino o quanto! Valiosa para o meu dono, como uma vaca leiteira para um
fazendeiro, ou um vestido de linho para uma dama nobre.
— Por
favor, não me interprete dessa forma. — Disse ele. — Sim, eu tenho o dever de
protegê-la, foi para isso que fui designado. Mas a senhora... seu valor não é o
de um objeto, você é especial pelo que é. Sua determinação em lutar contra o
destino é invejável. Você está disposta a tudo, apenas para sair da sua gaiola
doura...
Ele
empacou, como se houvesse falado demais. Eu me ergui, curiosa.
—
“Gaiola dourada”, é isso que ia dizer? Onde ouviu isso? Vamos, me diga!
Aliás... como conseguiu chegar a mim a tempo, como soube o que eu fiz?
Ele
desviou o olhar por um momento, parecendo envergonhado.
— A
verdade é que posso ouvir seus pensamentos, senhora Charlote. Sua mente para
mim, é um livro aberto.
Eu
fiquei pasma.
—
Isso... quer dizer que desde o início, tudo o que eu pensava, era claro pra
você? — Eu perguntei, preocupada, me lembrando dos meus pensamentos sobre Vlad,
sobre Marjorie... e sobre ele.
— Não
tudo. Só entrei em sua mente quando necessário, para evitar que corresse
perigo, ou fizesse uma bobagem. — Ele confessou. — Não fui escolhido por ser o
mais forte, mas por ser aquele que melhor poderia vigiá-la. E exatamente por
ouvir seu coração eu soube o que você faria, e me mantive vigilante até o
momento em que o fez.
Eu me
afastava, de braços cruzados, irritada e confusa.
— E
então você contava tudo a ele, ao seu mestre? — Indaguei.
— Não,
jamais a exporia dessa forma. Meu dever é mantê-la em segurança, e desde que eu
faça isso, os detalhes são irrelevantes para ele. Nunca foi minha intenção
ofendê-la, senhora. E é por conhecer o seu íntimo, que lhe peço perdão
novamente. Sei quem você é realmente, e tudo que perderá para sempre ao se
tornar dele. E lamento profundamente por isso.
Ele terminou
de falar, e sem que eu percebesse, havia um sorriso na minha face.
— Bom,
o que está feito, está feito. — Disse eu, encarando novamente aquela ferida
horrível que não cicatrizara. — Creio que é hora de cuidarmos disso.
Dito
isso, me aproximei dele com meu vestido molhado, revelando as curvas do meu
corpo. Afastei meus cabelos para o lado, deixando o pescoço exposto.
—
Beba. Eu fui a culpada disso, preciso me redimir.
O
vampiro se afastou, tímido, desviando o olhar do meu corpo.
—
Senhora, eu não poderia. — Ele disse, envergonhado. — Se meu senhor souber, as
consequências podem ser terríveis, para nós dois.
— Não me olhe como se eu estivesse te chamando
para minha cama. — Quando disse isso, um pensamento atrevido me fez sorrir. — É
apenas sangue. Não parece que você vá se curar sem isso, e aparecer desse jeito
no castelo levará a perguntas perigosas.
— Ainda
assim, eu não deveria. Nem a senhora.
— Olha,
eu já fiz algo hoje que não deveria fazer, e que meu noivo jamais deve
descobrir. Creio que posso guardar segredo desse momento, se você guardar
segredo sobre o que fiz.
Ele
ficou pensativo por um instante, e então concordou.
— Eu guardarei.
— Disse, por fim.
—
Agora beba, Peter. Encare como uma recompensa pelos seus bons serviços, já que
dizem que meu sangue é especial.
E
então, ele bebeu.
Senti
o toque macio dos seus lábios sobre o meu pescoço antes que seus dentes afiados
se encravassem em minha pele. Por mais que ele tenta-se evitar, a intimidade do
ato carregava todo um teor sexual, me fazendo agarrá-lo com força contra mim.
Não sei quanto tempo levou, creio que não muito, já que ainda me sentia bem
quando terminou.
Eu
estava ofegante, e ele me olhava com desejo mal disfarçado. E então se afastou,
seu ferimento já cicatrizado. Meu pescoço já estava curado também, um truque
comum entre eles, ferir o próprio lábio ao fim do ato, para que seu sangue
regenere a pele da vítima. Assim, eliminando a evidência da mordida.
— A
levarei ao seu quarto, senhora. E então seguiremos como se nada disso tivesse acontecido.
— Ele me disse, desviando o olhar.
—
Nada, nada. — Falei, com um sorriso sapeca.
Ele
me tomou em seus braços e fez o impossível. Com um único salto, chegou até
minha janela. Uma vez de volta ao quarto, me aproximei do castiçal acesso, para
aquecer minhas mãos geladas até que pudesse vestir roupas secas.
—
Peço que durma, e não invente mais nada por essa noite. — Ele me disse, olhar
de censura.
De
costas para ele, apenas sorri maldosamente, enquanto procurava roupas quentes,
deixando parte do meu corpo a mostra.
— E o
que mais de errado eu poderia fazer nessa noite?
Sem
qualquer resposta, ele desapareceu pela janela. Eu estava começando uma
brincadeira perigosa, cujas consequências poderiam ser terríveis. Mas e se
fosse esse exatamente o fim que buscava? Trair o demônio imortal com seu braço
direito, seu último servo leal, não seria a melhor forma de feri-lo? De
vingar-me? E ainda que meu fim fosse a morte, mostraria a ele que até o final
meu destino me pertenceu, e não a ele.
Santo Deus, pensei eu, como fui me perder
tão rápido?
Os
dias e noites se passaram sem que qualquer outra pessoa descobrisse o que
ocorreu naquela noite. Mas nós dois sabíamos, e eu estava certa de que aquilo era
só o início de algo maior. Eu não conseguia tirá-lo da minha mente, e a
distância de Vlad, novamente enfiado em suas batalhas, não ajudava nisso. Peter
era um monstro como ele, bebia sangue humano...ainda assim, parecia tão
diferente!
Por
duas noites ele me evitou como pôde, mas para não levantar suspeitas, lá estava
ele novamente ao meu lado.
— Sua
alteza, Vlad Tepes, pediu para informá-la que retornará dentro de três semanas,
senhora Charlote. — Disse ele.
—
Isso é ótimo, não é mesmo? Após sua volta, ainda faltará uma semana para o meu
casamento. — Indaguei. — Mas três semanas são bastante tempo, e gostaria de me
divertir um pouco durante esse período. Pode me ajudar nisso, Peter?
Foi
divertido vê-lo ficar desorientado por alguns instantes.
—
Quero aprender esgrima, e se devo ter um professor, não desejo nada menos que o
melhor disponível. Quero ter o que mostrar ao meu noivo quando ele estiver de
volta.
Me
pergunto se ele leu minha mente antes de responder, na verdade, eu estava
sempre pensado nessa possibilidade. Caso lesse, saberia que pensamentos
indecorosos passeavam por ela, mesmo quando eu não os desejava.
— Isso
será providenciado, senhora. — Disse-me ele, cordial.
Minhas
aulas começaram na noite seguinte, em uma área ampla, bela e isolada do
castelo, e levavam cerca de duas horas. Usávamos espadas de madeira, para minha
própria segurança. Era divertido e excitante, eu dava tudo de mim, levantando e
abaixando aquela coisa de madeira até ficar ensopada e exausta. Foi o que de mais
físico tivemos desde aquela noite. E ao fim de minha primeira semana de aula,
ele começou a dar sinais de estar aproveitando aquilo tanto quanto eu.
— Disseram-me
que enfiou uma faca de carne por nove vezes no coração do meu príncipe. — Ele
disse, enquanto desviava e bloqueava meus ataques, lentos e previsíveis. — Eu
esperava mais de tal mulher.
Era a
primeira vez que ele me desafiava daquela forma, não pude deixar de rir.
— O
segredo está no improviso. — Eu disse, quebrando a espada com o pé numa quina,
e transformando-a numa estaca improvisada. — Agora eu tenho o necessário pra
matá-lo, não?
É, eu
sabia sobre estacas no coração. Não que Marjorie ou algum deles me dissesse,
mas eu era curiosa e o castelo tinha a mais vasta biblioteca sobre esses temas
que já conheci. Uma estaca de madeira encravada no peito era o fim de qualquer
vampiro, ou quase, pois o Drácula era sempre a exceção a toda regra.
—
Para o seu azar, estacas não atravessam um peitoral de aço. — Disse ele,
batendo com os dedos no metal abaixo da capa. — Além disso, sua estaca é tão
precária que dificilmente atravessaria um tronco do jeito certo, e sem se
partir no processo. Estacas tem que ser bem feitas, ou são inúteis.
Ao
dizer isso, destroçou minha arma com a mão nua.
— Sem
estaca, minha única chance seria cortando sua cabeça com uma espada de verdade,
certo? — Perguntei.
—
Isso ou me deixar para queimar no sol. Ambas coisas impossíveis para a senhora.
Ele
então parou, olhando para a entrada. E a vi, Marjorie enfim retornara de suas viagens
pelo reino.
— Parece
que andou estudando, Charlote querida. — Disse-me, sorrindo.
—
Quando temos mestres ruins, nos tornamos autodidatas. Ou isso, ou achamos
mestres melhores. — Disse eu, me virando para Peter.
—
Pode nos dar um momento? — Ela perguntou ao vampiro, ao que ele nos deixou a
sós.
Nos
sentamos diante de uma pequena fonte com a imagem de um anjinho no centro. Ela
mexia no próprio cabelo e me examinava, permanecendo dessa forma por um longo
tempo.
— Foi
pra isso que interrompeu minha aula, Marjorie? — Perguntei, incomodada com seu
olhar.
— Há
algo de diferente em você, Charlote. — Disse, brincando com meu nariz. — Vejo
algo em seus olhos que não via antes.
Me
esforcei para não demonstrar nenhum sinal de abalo diante da frase dela.
Pensando se ela havia percebido o que havia entre Peter e eu, se ela me leria
assim tão facilmente. Ou se seriam seus poderes, espíritos a lhe sussurrar
segredos. Eu sabia que eles existiam no castelo, as vezes os sentia, e eram
muitos. Afinal, havia muita dor e morte naquele lugar.
— Tem
razão, é que não aceito mais ficar passiva a tudo isso. Se meu destino é me
tornar uma vampira, me tornar a princesa da Valáquia e esposa do Drácula,
desejo ser forte. E a esgrima é parte disso. — Havia algo de verdade naquilo,
mas não tanto assim.
Ela
mexia os dedos de forma ritmada, assobiando uma canção francesa da qual nunca
gostei.
— Eu
quase acredito em você, Charlote, mas uma parte minha, teimosa e ranzinza, me
diz que há mais ai do que você me diz.
— Não
insinue, fale de uma vez. — Exigi.
Ela apenas
sorriu.
—
Esqueça isso. O importante, amiga querida, é que seu dia está próximo. — Me
disse, pegando em minhas mãos. — Você se tornará a princesa, “diante dos homens
e de Deus”, e então se tornará uma vampira, “diante dos vampiros e do Diabo”.
Disse,
irônica.
— Não
estrague isso, Charlote, não agora que está tão perto. — Sussurrava ela,
apertando minhas mãos com mais força conforme prosseguia. — Você já se entregou
a ele, seu sangue e corpo, ele já é seu! Não lhe dê motivos para mudar de ideia
sobre você. Deve se casar com ele, ser nomeada princesa, lhe deixar
transformá-la...
— Me
largue! — Disse eu, soltando minhas mãos dela. — Não preciso dos conselhos de
uma bruxa traidora, não preciso que me diga como devo ser a moeda de troca
perfeita para os seus planos.
Peter
já se mostrava visível para nós.
— Não
se ache tanto, minha amiga. — Ela me disse, ambas de pé. — Você é especial,
Charlote, não estaria aqui se não fosse. Sua beleza, seu ímpeto, sua esperteza
e seu sangue fazem de você a candidata ideal...mas nem por isso insubstituível.
Levei sete anos na Europa buscando a virgem certa para o monstro, e garanto que
posso esperar mais catorze, se necessário for. Ainda estou longe da velhice, e
como deve lembrar, tempo para o seu noivo não é problema algum.
Fiquei
surpresa com essa revelação, e também com a seguinte.
— Assim
como você, eu já estive nos braços dele, do seu príncipe. Conheci o prazer e o
horror que ele representa, e posso dizer que se há uma virtude que ele não
possui, minha querida, é a misericórdia. — Ela se aproximou de mim ao dizer
isso, e me fez um leve corte na mão, de onde retirou uma gota de sangue que
levou a boca.
Soltei
um gemido leve de dor, enquanto puxava minha mão de volta. No mesmo instante,
Peter já estava entre nós, sua espada sobre o pescoço de minha mestra. Ela
apenas se afastou, me dizendo:
— Lhe
dê motivos para se irar, e ele beberá seu sangue precioso, Charlote. Só que
diferente de mim, será direto do seu coração.
Marjorie
se foi, me deixando sozinha com Peter e meus pensamentos.
— A
aula está encerrada por hoje, senhora. — Ele me disse, me encarando com a
seriedade de quem deduzira o que foi ali discutido.
Eu
fiz que sim com a cabeça, e voltei aos meus aposentos. Passei o resto da noite
pensando nas palavras dela, e no futuro a minha frente. Podia sentir a presença
de Peter do lado de fora, me guardando... ao mesmo tempo, me tentando a
convidá-lo para minha cama. Eu resisti, escorada na porta pelo lado de dentro.
Se ele entrou em minha mente, e meus instintos me dizem que o fez, ele soube o
que eu queria, e resistiu igualmente.
Nossos
treinos continuaram, e eu me esforçava muito para aprender o máximo possível no
pouco tempo disponível. Eu sempre tive facilidade em aprender coisas novas, e
isso não se limitava a erudição. Além das aulas, eu passava a maior parte do
meu dia treinando aquilo que ele me ensinava: a postura correta, os movimentos
básicos de corte, bloqueio, e estocada. Devido a minha determinação, logo passamos
para as espadas de verdade. Elas eram mais pesadas, e exigiam atenção, pois um
erro bobo qualquer poderia resultar em ferimentos sérios. As noites seguintes
passaram rápido, minha única alegria real, o som do metal de nossas armas se
chocando.
Aquela
era nossa última noite de treino antes do retorno de Vlad, dali a duas noites. Embora
meu noivo seria informado de que fui treinada por seu campeão, Peter preferia
que ele não nos visse nesses momentos. Praticamos em nosso santuário
particular, sob os olhos da lua e do anjo da fonte. Eu fazia questão de
demonstrar minha evolução, os resultados do meu treinamento sob o manto do segundo
melhor espadachim da Europa, perdendo apenas para o Drácula! Foram menos de
três semanas completas, mas eu já me mostrava uma espadachim razoável, dizia
ele.
— E nossa
última noite juntos chegou ao fim. — Suspirei eu.
—
Sim, e na verdade, mais do que isso. — Disse ele. — Quando meu mestre voltar,
pedirei para me unir aos seus exércitos, em batalha. Se possível, antes do
casamento.
— O
que está dizendo? — Questionei, irritada. — Seu trabalho é me proteger, você
sabe disso!
Ele apenas
me fitou com aqueles olhos tristes.
—
Sabemos bem como a minha presença é perigosa para você, Charlote. — Ele
sussurrou, naquele noite fria e sem estrelas. — Sabemos como tem sido difícil
resistir um ao outro. Fingir que não sentimos nada.
Eu
sabia que ele me queria, mas ouvir aquilo dos seus lábios, isso era diferente.
—
Sim, eu a desejo. A desejo e a amo, como nunca amei mulher alguma até hoje. A amo
com todas as forças, e a faria minha, caso isso não nos condenasse a morte certa!
Então,
eu fiz.
Me
lancei em seus braços, o abraçando forte! Ele me amava... e ele iria embora.
Talvez, para sempre. Nada mais importava, não havia ninguém ali para nos
observar naquele lugar mal iluminado e vazio, e se perdesse esse momento,
poderia jamais ter outro. Eu o beijei, o beijei sem pensar em mais nada além do
gosto dos seus lábios. Ele hesitou de início...mas logo foi vencido por seu
coração. Nos beijamos longa e intensamente, e então, nos afastamos.
—
Essa noite, Peter, você virá ao meu quarto. — Disse eu, com um sorriso
atrevido.
Ele
balançava a cabeça, envergonhado, antes de me dizer:
— As
suas ordens, minha senhora.
Foi
com um sorriso no rosto que empunhamos novamente nossas espadas, nossas forças
revigoradas. Se era uma despedida, que fosse inesquecível, que arriscássemos
tudo! Brincávamos como crianças, para depois nos deitarmos como amantes, e isso
tornava aquela noite fria e triste, algo para jamais esquecermos.
E, de fato, jamais esqueceríamos dela.
Eu
estava exausta, quando cruzamos nossas espadas pela última vez. Após o som do
choque das lâminas, fiz o movimento natural de afastá-la...mas estranhamente não
se moveu. Algo a segurava junto a lâmina de Peter. Não algo...mas alguém.
— Boa
noite, crianças. — Disse Vlad, entre nós dois, mantendo com os dedos nossas
espadas unidas. — Se divertindo muito?
Eu
congelei naquele momento. Em um instante estávamos sozinhos, e no outro, ele
estava ali! Nem mesmo Peter, com suas capacidades sobre-humanas, percebera a
tempo. Drácula era mesmo um monstro.
—
Perdão, alteza. — Disse Peter, tentando não demonstrar sua surpresa. — Sua
senhora está animada com a conclusão de seu treinamento, e acabei contagiado por
sua alegria.
Lá
estava o Empalador, vestindo sua armadura completa, vermelha, negra e dourada,
com uma grossa capa e a espada na cintura. Seus olhos passeavam entre o vampiro
e eu, com um sorriso sinistro na face.
—
Entendo. — Disse ele, ao soltar nossas espadas. — De fato, o som de suas risadas
pode ser ouvido a léguas de distância.
Eu
lutava para manter a calma, com meu coração a mil, e o suor escorrendo pelo meu
rosto. A grande questão era: há quanto tempo ele estava ali? O quanto ele viu e
ouviu?
— ...Charlote?
— Voltei a mim com sua voz me chamando. — Algo a perturba, minha amada?
—
Você me assustou! Meu coração está quase saindo do meu peito agora, graças as
suas brincadeiras de mau gosto! — Tentei parecer irritada, como um modo de
disfarçar meu medo. — Há modos mais cavalheirescos de surpreender uma dama,
sabia?
— Lamento
muitíssimo por isso. Creio que os horrores da guerra tornaram meu humor negro e
...até mesmo um tanto sádico. — Ele dizia, beijando minhas mãos. — Mas vê-los
sorrindo, minha noiva sempre tão pensativa, assim como meu honrado Peter,
sempre tão sério, me deixaram animado para brincar também.
Peter
e eu olhávamos para ele, sem entender o que queria.
—
Peter, meu fiel servo, o que acha de brincar um pouco com seu mestre? — Ele
perguntou, desembainhando sua magnífica espada. — Charlote precisa testemunhar
uma luta real antes de ser aprovada, não concorda?
—
Como vossa alteza quiser. — Disse Peter, empunhando a própria espada.
E
então, começaram.
Vlad
avançava, sua lâmina se chocando contra a de Peter, repetidamente. Peter
desviava e bloqueava com habilidade e graça, contra-atacando quando encontrava
oportunidade. Inicialmente, pareciam estar no mesmo nível, mas isso não durou. Os
golpes de Vlad foram se tornando mais e mais rápidos, e Peter tinha cada vez
mais dificuldade para acompanhar seu ritmo. O olhos de ambos se tornaram
rubros, e logo eu mal era capaz de enxergar seus movimentos!
—
Vamos! Me mostre do que é capaz! — Vlad gritava, sua voz, assustadora. — Lute
como se sua vida dependesse disso!
— Que
assim seja. — Respondeu ele.
Vi
meu amante avançando contra seu príncipe, desferindo uma série de golpes
impossíveis contra ele, alguns dos quais cortaram sua pele e derramaram sangue.
Via Vlad desviando e bloqueando, e a cada golpe recebido, retribuindo com um
duas vezes pior. A cena se tornava a cada momento mais desesperadora, até Peter
ser arremessado contra a fonte, fazendo o anjo de pedra se partir ao impacto de
seu corpo. Vlad exibia ferimentos leves, enquanto seu campeão, já estava com ferimentos
graves. Vi quando Vlad desceu sobre ele, sua espada encravando fundo no tronco
de seu servo leal. Vi, e gritei!
— Está louco!? O
que está fazendo?
Ele
me encarou com aqueles olhos de assassino, olhos que me fizeram congelar até a
alma, e então sorriu. Sua espada cortava freneticamente, o sangue de Peter
espirrando em seu algoz e até mesmo em mim, enquanto o mesmo urrava de dor, até
soltar a própria espada. Vi quando Vlad o ergueu pelo pescoço, apertando com
uma força capaz de esmagar ossos humanos. E por fim, o lançou ao chão.
Eu
chorava...chorava de medo, e ódio. Peter estava horrível, seu tronco e braços
jorrando sangue em abundância, dezenas de cortes abertos por todo seu corpo. Vlad
guardou sua espada, e diante de uma vítima de joelhos, se virou para mim.
—
Tenho sede, Charlote. — Ele me disse, calmo.
— ...
como é? — Eu não conseguia imaginar que fosse o que eu pensava.
—
Disse que tenho sede. Me dê seu
sangue...agora! — Ele me ordenou com aqueles olhos vermelhos, olhos contra
os quais eu não podia lutar.
Fez
questão de me deixar virada para meu amante, enquanto sugava meu sangue com
avidez. Não, ele não se conteve, pelo contrário. Eu gritei de dor quando ele
encravou seus dentes com violência, e chorava enquanto sentia minha vida sendo
sugada pelo demônio. Peter observava a tudo, impotente. Dessa vez não havia
espaço para o desejo em meu coração, apenas para o ódio. Eu não seria dele,
jamais seria dele! Não seria sua esposa, não seria sua vampira.
Quando
finalmente terminou, eu estava exausta, frágil e ofegante. Ele me deixou no
limite de minhas forças, e então me largou, diante do homem que eu arruinei. O
homem que eu já amava. Eu fitava os olhos esverdeados de um vampiro que chorava
lágrimas de sangue.
— Eu
fugirei, Peter. Fugirei ou morrerei. — Disse eu, em meio as lágrimas. — Você virá comigo?
Ele se
virou para mim, enquanto enxugava as próprias lágrimas.
— O
Drácula não terá você. — Ele me disse,
confiante. — Isso é uma promessa.
Nesse tempo, eu ainda acreditava em promessas.
*** NOTA DO AUTOR***
Essa história termina no próximo capítulo, ficarei muito grato se você deixar um comentário no blog com a sua opinião sincera sobre ela. O que gostou ou não.
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