É
noite, próximo a um hotel de beira de esquina e preço baixo, Paul aguarda
pacientemente por seu alvo. O professor está em um carro esporte, parado atrás
de algumas árvores. Com luzes apagadas e binóculos, ele identifica um veículo no
estacionamento que bate com a descrição que busca.
Até que não foi má ideia rondar os poucos
hotéis na entrada de Bleak Hill, ele pensa.
A
chuva cai tediosamente, as horas se arrastam, apenas uma garrafa de café o
mantém alerta. E, é claro, a expectativa da ação. Geralmente seria o Golem a
cuidar de alguém perigosa como essa caçadora, mas dentro dos limites de Bleak
Hill, essa não é uma opção. Até hoje as ações do Golem foram em outras cidades,
e ele não quer levantar atenção desnecessária para esse lugar no meio do nada.
Após
algumas horas de espera, seu alvo dá as caras! Saindo de dentro do hotel surge
a mulher: grande e de sobretudo marrom, cabelos muito negros, rosto largo e sem
guarda-chuva. Ela anda até o carro, atenta aos arredores e carregando uma bolsa
de viagem.
Hora de começar a caçada, ele pensa,
enquanto guarda o café.
[...]
Dias
antes.
Na sala
de aula, vazia após o fim da sua última aula, o professor assiste atentamente
ao vídeo que seu contato na polícia enviou. Nele, uma figura alta de sobretudo
marrom, botas pretas e cabelo negro arromba a porta da casa de sua futura
vítima. Paul dificilmente pensaria que se trata de uma mulher se os relatórios
não dissessem isso, as imagens desfocadas e o porte físico dela em nada ajudam
na dedução.
São
6h00 da manhã quando a mulher entra e 6h09 quando sai. Segundo o relatório
policial, testemunhas alegam ter ouvido troca de tiros de dentro da casa,
segundo as imagens do vídeo, pouco após a saída da assassina a residência pega
fogo. Ao menos quatro vítimas são confirmadas como dela: uma em Manchester,
três em York. Pelos dados coletados, os alvos seguem o padrão esperado por
Davis, indivíduos pouco sociáveis, de vida noturna e dos quais os vizinhos
sabiam pouco. Ou seja: todos vampiros.
Após
o vídeo, Paul observa fotos de um apartamento modesto em que a suspeita se
hospedava em um bairro no centro de York. A polícia estourou o local, mas não
antes dela pôr fogo em tudo. Entre textos bíblicos em latim, crucifixos, terços
e imagens de santos católicos, foram encontrados fragmentos de fotos das
vítimas e um pedaço de mapa do Reino Unido. O mapa continha marcações que
coincidem com as localizações das últimas vítimas, e outras desconhecidas.
O
investigador trabalha com a hipótese de uma serial killer fanática religiosa,
mas Paul sabe a verdade.
Desculpem amigos policiais, mas o alvo é
meu.
[...]
De
volta a caçada.
O
carro parte e começa a perseguição silenciosa, Paul segue com as luzes apagadas
e no limite da distância que o binóculo lhe permite, felizmente, as estradas da
cidade são previsíveis.
Após
alguns minutos de perseguição sob a chuva, o carro para no estacionamento de um
restaurante recém inaugurado que promete vender comida de boa qualidade e
trazer um pouco de refinamento à cidade.
Não vai durar muito, ele pensa.
Ela
entra, Paul aguarda cinco minutos e sai do carro. Depois se deixa molhar de
chuva (ignorando o guarda-chuvas no porta-malas) e vai andando calmamente até o
restaurante.
Deu trabalho achar você, hora de ser
criativo, decide.
[...]
Noite
anterior.
O
expediente acabou em sua loja de beira de estrada, e o vendedor de armas se
dirige ao carro, pensando apenas em ir para casa, tomar banho, jantar e ver tv
com a mulher. Ele abre a porta do carro e, quando começa a entrar, tem a
sensação de estar sendo observado. O homem tenta sutilmente sacar uma pistola
que espera não ter que usar, enquanto sua e treme de cima à baixo.
Infelizmente
para ele, o invasor não lhe deixa tempo de decidir se usa a arma ou não. Em um
movimento rápido ele é puxado para trás com força, sem entender como, já está
desarmado! Uma dor alucinante no braço que segurava a arma indica que o
processo de desarme incluiu a quebra da mão. Um vislumbre rápido no retrovisor
revela uma face de pedra, sinistra o suficiente para fazê-lo congelar de medo!
Após
alguns instantes de silêncio, com uma mão de cor escura e áspera fechando sua
boca e um cano gelado de arma encostado em sua nuca, uma música suave começa a
preencher o veículo. Música hebraica, ele pensa. A música do Golem, ele percebe. Tremendo de ponta a ponta, Steve se
recorda das reportagens que leu sobre o misterioso assassino, um justiceiro
cruel que tem matado criminosos brutalmente.
— Fale ou morra. ... você a viu? — E o
assassino apresenta uma foto da mulher de sobretudo, a fanática matadora de
vampiros.
Steve
junta todas as forças que lhe restam para responder de forma clara, tentando
não gaguejar ou se molhar no processo.
— Sim!
Essa mulher veio aqui ontem, comprou munição e foi embora! — Ele fala, com
esperança de que a resposta certa possa salvá-lo.
— ...fale
mais. — A voz do Golem, ainda mais ameaçadora.
— Ela
veio aqui, p-por volta de 16h00...não, 17h00! Uma mulher grande, mal encarada e
meio bruta, queria munição de escopeta, e uma pistola de grosso calibre com
munição também. Ela...ela falava pouco, disse que estava com pressa! Tirou o
dinheiro do bolso como quem não se importava e nem fez questão de saber se
tinha troco. Ela...ela, botou gasolina no carro também, uma picape verde mal
conservada.
A
música ainda tocando, um longo silêncio se seguiu em que o pobre homem
imaginava de que forma encontrariam seu corpo no dia seguinte, se os jornais
com seu cadáver na capa ao menos teriam boas vendas.
Tá vendo mãe, você dizia que eu nunca
faria nada importante. Tá ai, vou ser morto pelo Golem, nada dessas mortes ridículas por câncer ou ataque cardíaco.
Sou especial, não é mesmo?, pensa o homem, enquanto teme a proximidade da
morte.
— Onde ela foi?
Steve
sente o suor escorrendo, enquanto fala as palavras que sabe, podem ser suas
últimas:
— Norte! Direção de Bleak Hill! — ele
grita sem querer, contando os segundos para o mascarado começar a carnificina.
— Você não falará a ninguém sobre mim. O que aconteceu
aqui foi um acidente.
Antes
que ele possa abrir os olhos em alívio, sente uma dor forte na cabeça, e tudo
fica escuro de repente. Horas depois, o vendedor iria acordar com a cabeça
cheia de sangue e um aviso rabiscado com seu próprio sangue no vidro do carro: “Acidentes
podem voltar a acontecer”.
[...]
Dentro
do restaurante, momento presente.
O
lugar é bonito: boa mobília, empregados bem vestidos e uma banda de jazz tocando
ao fundo. Das quinze mesas, treze estão ocupadas, o espaço é retangular e
felizmente a mulher está justamente sentada ao lado de uma mesa vazia. Paul se
senta na mesa ao lado e pede para o garçom trazer um Uísque. Ao redor dos dois
se veem famílias e principalmente casais, Paul deduz que o lugar está cheio por
conta das promoções de inauguração, e pela proximidade do aniversário da
cidade, o que sempre traz turistas.
A
mulher tem algo em torno de 1,80m, ombros largos e porte masculino. Cabelos e
olhos muito negros e pele branca. Ela não tirou o sobretudo, mesmo estando
molhado, e aos poucos ele percebe que mesmo tentando fingir distração com um
jornal local e uma taça de vinho, os olhos da caçadora se fixam em uma mulher
específica.
Sentada
à quatro mesas de distância, uma bela mulher de cabelos castanhos, olhos da
mesma cor, vestido vermelho e joias fala ao celular, sozinha em uma mesa
sutilmente mais bem posicionada que as outras. Ele se pergunta se ela seria uma
vampira, e enquanto bebe, resolve que é hora de agir.
— Posso
me sentar? — Ele pergunta, ao mesmo tempo já sentando ao lado da caçadora. — É
meio-deprimente beber sozinho numa noite como essa, você não acha?
Ela
parece surpresa, e logo fica desconfiada. É uma mulher grande e forte, não é do
tipo que alguém acharia bonita, e sabe bem disso.
—
Não, não pode. Acho melhor para nós dois que o senhor volte para sua mesa. — Diz,
mirando um olhar ameaçador que faria outros homens obedecerem sem pensar muito.
—
Qual é? Nós dois estamos aqui solitários e encharcados, será que não podemos ao
menos dividir uma garrafa e aproveitar uma boa companhia? — Paul exibe seu
melhor sorriso conquistador, e percebe que ela fica sem jeito e levemente
ruborizada.
Não deve estar acostumada a lidar com
homens, principalmente a serem gentis com ela, conclui.
De
repente ela segura o pulso do professor e o vira para procurar algo nele, não
encontrando o que procura, solta-o e parece desconcertada pela atitude.
—
Perdão... achei que fosse... — E fica calada em seguida, voltando a olhar na direção
da mulher de vestido.
Ela procurava a tatuagem no pulso, a marca
daqueles que servem voluntariamente aos vampiros em troca da chance de se tornarem
um deles.
—
Você é meio violenta, hein? — Ele fala, tom brincalhão. — Agora que me machucou
será obrigada a jantar comigo. Garçom!
Ela
fica sem saber o que fazer enquanto Paul faz um pedido para si e estende o menu
para ela, prometendo pagar o que ela quiser comer.
— Por
que está fazendo isso? — Ela pergunta, desnorteada.
— É
preciso algum grande motivo para dividir o pão com alguém? — E sorri.
Paul
sabe escolher as palavras certas, e acaba finalmente quebrando o gelo e
arrancando um sutil sorriso dela.
—
Eu...se você... digo — Ela pigarreia, e então diz sem jeito. — Sou uma madre
católica ordenada, acho importante que saiba, antes de me pagar algo. — E
desvia o olhar dele.
Paul
toca suavemente o pulso tenso da mulher, e afeta um sorriso compreensivo.
— Ora
madre, sou formado em Psicologia e História da Religião, acho que podemos ter
uma boa conversa. — Paul estende a mão em cumprimento. — Paul Davis, e qual o
nome dessa nobre mulher que divide um jantar comigo?
—
Madre Pietra Ferdinari, fico grata, professor.
Ela
escolhe enfim a comida, sempre mantendo alguma vigilância sobre seu alvo, agora
não mais no celular. Eles começam uma discussão sobre história da religião, as
ações da Igreja Católica e a ascensão do cristianismo no Ocidente. Também
partem para questões psicológicas envolvidas na fé e no comportamento
religioso. Ambos percebem que o outro domina bem o assunto tratado, embora tendendo
para lados opostos.
Paul
fingi só agora notar a reportagem de capa do jornal que a madre tem na mesa,
ela fala sobre Adam Tepes e sua vinda à Bleak Hill.
—
Vejam só, o Conde Drácula já até ganha capas de jornal. — Ele diz, enquanto
analisa a reação dela.
— O
que sabe sobre esse tal Adam Tepes, professor Davis? — Ela pergunta, bastante
interessada, enquanto come uma coxa de frango sem muito pudor.
— Eu
já conversei com ele pessoalmente, sabe? É um sujeito que esbanja dinheiro,
sempre muito formal. Tem um sotaque estranho, só é visto a noite e está sempre
cercado de gente que parece idolatrá-lo. Como se... — Ele finge sentir vergonha.
— esqueça, é bobagem minha.
—
Não, fale por favor. — Ela diz, segurando firme em seus ombros.
—
Tudo bem, eu quero dizer que as pessoas que o rodeiam parecem fazer tudo por
ele, como se estivessem dominadas,
entende? Sei que isso deve ser paranoia da minha parte, e que os boatos sobre
ele ser o Conde Drácula são simplesmente por conta do cara ser dono do castelo.
Mas as vezes tem coisas que nos fazem pensar sobre o que realmente é verdade
nesse mundo.
— Tem
razão, professor, há mistérios que cabem somente a Deus e outros que os homens
podem alcançar quando o buscam com coração sincero.
Eles
trocam sorrisos, e então o inesperado acontece. Adam Tepes cruza a entrada do
restaurante e vai em direção a Jeanne Hilton, falam algo, beija a mão dela e senta-se.
—
Parece que Deus ouviu suas preces madre Pietra, eis ai o Conde Drácula em
pessoa diante de nós! — E aponta para a mesa, sorridente. — É sua melhor
oportunidade de conhecer o sujeito.
Paul
fica incrivelmente surpreso com sua sorte, pode cuidar de dois problemas de uma
só vez.
Hoje
será uma noite para ficar na história, pensa ele.
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